quinta-feira, maio 01, 2008

Agora Lula precisa de um governo Rolf Kuntz*

presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa arranjar um governo, com urgência, porque os Fados estão mudando. Ainda há gordura para queimar nas contas externas, mas os números do balanço de pagamentos estão em visível deterioração. A inflação sobe e o problema não está somente no "feijãozinho" mencionado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. O cenário externo, favorável nos últimos cinco anos, é hoje sombrio e ninguém sabe quando a crise financeira será superada nem quando o preço do petróleo vai parar de subir. A deflação patrocinada pela China, com seus produtos baratos, está encerrada ou pelo menos interrompida.

Nenhum desses fatos será neutralizado pela conquista do grau de investimento, atribuído ao Brasil, ontem, pela Standard & Poor?s. A novidade é positiva e vale uma comemoração, mas o problema do País, agora, não é o acesso ao capital estrangeiro.

Até aqui, o presidente contou com um Banco Central (BC) capaz de manter a inflação mais ou menos domada e comandado por gente disposta a servir de pára-raio para o mau humor de empresários, políticos e sindicalistas.

O crescimento econômico foi garantido principalmente pelo dinamismo do setor privado, porque a maior parte do gasto público é improdutiva, os impostos são excessivos e o famigerado custo Brasil não pára de aumentar. A ampliação do mercado interno tem sido proporcionada pelo aumento real dos salários (graças, em boa parte, ao controle da inflação), pelo aumento do crédito e pela transferência direta de renda a milhões de famílias pobres.

Nenhuma grande reforma ocorreu nos últimos cinco anos. A infra-estrutura continua deficiente e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) só rendeu, até agora, comícios e oba-oba. A administração federal, aparelhada e emperrada, é cada vez mais cara e menos comprometida com os interesses da sociedade. A greve dos auditores fiscais, com mais de 40 dias de duração, é mais uma demonstração da incompetência e da omissão dos escalões mais altos do Executivo.

Para enfrentar os novos problemas, o presidente precisará de uma nova disposição política e de um Ministério muito mais ativo. Poderá continuar contando com o BC, mas isso não bastará. Se não quiser mudar o regime cambial, terá de pensar em medidas mais complicadas, e mais eficientes a longo prazo, para elevar o poder de competição do setor produtivo. Precisará de uma política mais séria de mobilização de recursos privados, para investimento na infra-estrutura, e de uma revisão da política orçamentária.

O caminho foi apontado por outras economias: menos despesas correntes e mais dinheiro para investir em programas de infra-estrutura, saneamento, desenvolvimento tecnológico e formação de capital humano.

Ao mesmo tempo, será indispensável conter a elevação da carga tributária. Essa elevação, tudo indica, deve continuar em 2008 e dificilmente será interrompida nos próximos anos, embora as projeções contidas no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias apontem para uma estabilização. Será preciso começar a desoneração, para valer, bem antes de terminar o prazo de oito anos previsto para a implantação da reforma tributária. Em oito anos o quadro internacional poderá mudar amplamente.

Também será perigoso atribuir apenas ao BC a tarefa de conter o novo surto inflacionário. As pressões não vêm apenas do mercado de produtos agrícolas, e isso foi mostrado, com muita clareza, pela evolução do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) até abril. Os técnicos do BC haviam percebido esse dado antes da última elevação da taxa básica de juros. O aumento de custos é mostrado tanto pelos componentes do IGP-M quanto pelas informações provenientes das empresas. O repasse dificilmente será contido, se o gasto público e o crédito ao consumo continuarem crescendo como até agora. O presidente Lula reconheceu o problema do crédito, há mais de um mês, e o ministro da Fazenda chegou a admitir novas medidas para conter a expansão dos financiamentos, mas acabou recuando em apenas dois dias. As conveniências políticas de um ano de eleições parecem ter sido mais fortes que o temor do recrudescimento da inflação.

Se a inflação crescer e o ingresso de capitais continuar vigoroso, talvez até por causa do grau de investimento, o desajuste cambial aumentará mais velozmente. Haverá dinheiro, durante algum tempo, para tapar o buraco das contas externas, mas a velha vulnerabilidade voltará a ameaçar o crescimento e a criação de empregos. Contemporizar será a pior resposta.

*Rolf Kuntz é jornalista