Paragominas é um velho oeste. Uma fronteira velha, dos tempos da construção da Belém-Brasília. Não é uma nova, como Tailândia, onde a população reagiu à Operação Arco de Fogo. Lá as lideranças se queixam, acham injusto, dizem que a cidade está sendo incluída na operação pelo seu passado. No presente, eu vi madeira ilegal em madeireira, indícios de crimes ambientais e destruição de carvoaria ilegal.
O presente tem crime suficiente, constatam os policiais da Arco de Fogo, mas menos que no passado. A operação foi lançada quando o desmatamento voltou a crescer recentemente, e junta Polícia Federal, Ibama, Força Nacional e Secretaria do Meio Ambiente na repressão ao desmatamento.
Paragominas, segunda cidade visitada pela operação, já foi o maior pólo madeireiro.
Hoje é uma cidade em transição, buscando a legalidade, mas foi incluída entre as 12 que mais desmatam no Pará. O prefeito Adnan Demachki, cujo pai, um mascate libanês, chegou lá na construção da cidade, convocou os empresários para um pacto pelo fim do desmatamento ilegal. A maioria dos novos crentes da sustentabilidade tem um pé no crime ambiental. Ficaram ricos desmatando; hoje arrumam o discurso. Para alguns, a prática do novo discurso é tão recente que eles não resistem a alguns minutos de perguntas e entregam as velhas crenças.
— O que é trabalho escravo? Não entendo o que você quer dizer. Dormir debaixo de uma lona no mato, fazer as necessidades nos galhos das árvores é gostoso.
Preso está o povo do Rio de Janeiro, que não pode sair de casa por causa dos traficantes — disse-me o presidente do sindicato dos madeireiros, Aderval José Dalmaso. A representação empresarial tem folder novo, defende exploração sustentável e se chama Sindicato do Setor Florestal.
No dia em que cheguei lá, estavam também senadores da Comissão de Meio Ambiente e deputados. Recebidos com tapete vermelho pelos produtores, a quem os parlamentares deram os ombros para o choro contra os supostos excessos da Operação Arco de Fogo. Em Brasília, defenderam o fim da operação. Eu preferi seguir a Polícia Federal e o Ibama nas suas operações — as quais conto amanhã em detalhes —, mas não vi excessos. Vi uma tentativa, até incipiente, de tentar pôr ordem num caos velho.
Quando se vai para a Amazônia, é preciso deixar para trás conceitos do Sudeste.
O município de Paragominas tem o tamanho de Sergipe. Há cidades maiores.
A floresta não se vê.
— Claro que se vê floresta, mas é preciso pegar um avião — admitiu o prefeito.
Fiz meu caminho de carro e só vi um resto de mata num pedaço do “caminho do 12”, como eles chamam os 12 km quando se deixa a Belém-Brasília para entrar em Paragominas. A cidade foi construída primeiro por ordem juscelinista, depois com os incentivos dos militares.
No “12”, enfileiramse os fantasmas de antigas serrarias, abandonadas por falta de árvores.
O mais triste na história de Paragominas não foi nem a hora da chegada das madeireiras, no final dos anos 80. Foi a pecuária, que chegou antes e queimou a mata.
As madeiras consumidas no Brasil nos anos 70 eram as de Mata Atlântica. Por isso os pecuaristas, com pressa para pôr os bois no pasto, incendiaram a floresta.
Ela ardeu por nada. Madeireiro que chegasse lá até fazia um favor à mata, colhendo algumas espécies mais valiosas antes que o fogo matasse tudo.
— Depois do fogo, é como se a gente tivesse jogado 20 sacos de adubo, o mato cresce que é uma beleza — comentou Pérsio Barros de Lima, filho de um dos pioneiros, que estudou veterinária na Universidade Rural nos anos 70 e hoje diz que quer certificar suas fazendas.
Numa delas, que visitei, há boi e produção de arroz e uma mata que, segundo ele, ocupa metade dos 4.000 hectares da propriedade.
Se é verdade que a mata tem 50% das terras, ainda assim está fora da lei de 80% de reserva legal.
— Antigamente, a lei permitia 50%; a lei mudou. Naquele tempo, o Banco Mundial dava financiamento para a gente desmatar, para construir até piscina em sede de fazenda — diz Pérsio.
O que mais escutei por lá foi uma frase curiosa: “Nós estamos legais na lei antiga.” Todos os agricultores e pecuaristas mais velhos que ouvi contam histórias de arrepiar da ocupação da terra.
Eles não gostam da palavra “grilagem”, mas admitem que, na origem, a maioria dos títulos da terra é ilegal.
— Compramos de boa-fé e estamos na terra há anos — argumenta o vice-prefeito, José Carlos Gabriel, que chegou lá pobre nos anos 70 para exercer a advocacia, hoje é rico proprietário e não esconde que já desmatou muito nas serrarias que teve.
O prefeito Adnan Demachki, cuja mãe, imigrante síria, morreu sem ter realizado o sonho de se alfabetizar, tem um vigoroso programa para acabar com o analfabetismo infantil e adulto.
Uma pesquisa encontrou apenas três crianças fora da escola na cidade de 90 mil habitantes. Os idosos voltaram à escola pelos incentivos de óculos e outros presentes da prefeitura.
— Se é possível enfrentar essa velha chaga, por que não farei um pacto de desmatamento zero? O Imazon, que traça o plano, acha que é possível, mas vai demorar.
— São várias etapas. Com o georreferenciamento, será possível acompanhar se o programa está mesmo sendo cumprido — diz o pesquisador Paulo Amaral.
— O que está aberto é cicatriz, não volta. Mas não dá para remar contra a maré do mundo que quer sustentabilidade — afirma Mauro Lucio, um empresário com chapéu e roupa à moda Dallas, que tem, na enorme fivela prateada do cinto, escrito “produção com preservação”.
Ele garante que sua fazenda tem 80% da reserva legal preservada.
Amanhã eu conto mais.