Pode ser surpreendente para um “liberal” americano, o que equivale a ser de esquerda entre nós, saber que o governo supostamente “de esquerda” do exlíder sindical Lula prefira a vitória de um republicano, no caso John McCain, à do senador Barack Obama.
No recente seminário da Academia da Latinidade realizado em Rabat, no Marrocos, a professora de filosofia política da Universidade Cornell Susan BuckMorss chegou a comparar o movimento de apoio a Obama com “uma experiência coletiva, global, que tem paralelo com os brasileiros que votaram em Lula, com os advogados paquistaneses ou os monges de Burma que arriscam suas vidas para protestar”.
A média dos votos de Obama foi considerada em Washington como a mais liberal de todos os membros do Senado no ano passado, e a esquerda latino-americana, inclusive o PT, quando não estava no poder, sempre teve uma relação mais próxima do Partido Democrata.
Mas o governo Lula prefere um futuro presidente republicano, “menos protecionista” e, sobretudo, menos “próximo dos tucanos” do que a oligarquia Clinton.
Assim como a relação dos tucanos com o Partido Democrata se fortaleceu nos anos Clinton, quando nasceu uma amizade entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Bill Clinton, que dura até hoje e envolve até mesmo relações de trabalho — o agente de Clinton é quem trata das palestras de Fernando Henrique pelo mundo — uma relação especial existe entre Lula e Bush, selada na parceria sobre os biocombustíveis, que tanta polêmica provoca hoje no mundo por causa da alta do preço dos alimentos.
A senadora Hillary Clinton é a última escolha de Lula, que torceu pela reeleição de Bush e agora gostaria de ver outro republicano na Casa Branca. Ou então Obama, em cuja história vê semelhanças com a sua via, embora essa seja uma percepção equivocada, já que Obama faz parte de uma elite, ele próprio um intelectual formado pelas principais universidades americanas, filho de um professor.
Segundo Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington, Obama teria mais chances de fazer uma reinserção positiva dos EUA no mundo, e provavelmente contaria com o apoio do Brasil para executar a manobra, que resultaria numa ampliação do nosso espaço internacional.
Mas Sotero lembra que a senadora Hillary Clinton é, dos três, quem mais conhece o Brasil. Antes de ser primeiradama, já era muito envolvida em políticas sociais no Children Defense Funds e conhece bem as políticas sociais no Brasil. Na época de Fernando Henrique, ela acompanhou o trabalho do Comunidade Solidária com Ruth Cardoso e dizia que o Brasil era muito inovador em políticas sociais.
Sotero, no entanto, não acha útil buscar um padrão de comportamento de administrações republicanas e democratas em relação ao Brasil, e cita alguns exemplos: a Guerra Fria levou duas administrações democratas que se seguiram (Kennedy e Johnson) a hostilizarem Jango e a apoiar a quebra da ordem constitucional em 1964. Nixon, com toda sua merecida má fama, em uma das primeiras decisões de sua administração, inaugurada em janeiro de 1969, cortou a ajuda externa ao Brasil em resposta ao AI-5.
O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, no Rio, diz que do ponto de vista político, um presidente democrata seria certamente melhor para o mundo e para o Brasil, “dado o desastre diplomático-militar que tem sido a atual administração dos republicanos”.
A começar pelo Iraque, onde já disse que os Estados Unidos devem ficar por cem anos, McCain seria provavelmente pior, ressalta Amorim Neto. Para mostrar que uma possível presidência de John McCain poderia repetir os erros políticos de George W.
Bush, basta lembrar, segundo ele, que o candidato republicano é tido como um defensor radical do que o jargão da imprensa de língua inglesa chama de uma política externa “musculosa”, “com uma forte propensão para usar o instrumento militar, como tem sido a de Bush”.
O professor da FGV lembra que, em recente artigo publicado no “Financial Times”, McCain advogou um novo pacto global, cujo núcleo seria uma “Liga das Democracias” que possa somar o poder das mais de 100 nações democráticas que existem hoje no mundo, de modo a “fazer avançar nossos valores e defender os interesses que compartilhamos”.
Essa é uma proposta muito arriscada, adverte Amorim Neto, pois traz implícita a idéia de que os EUA arrogarão para si o papel de dizer que país é ou não democrático, tema em torno do qual nunca houve consenso mesmo entre os politólogos.
Além disso, lembra Amorim Neto, o pacto se sustenta na duvidosa premissa segundo a qual democracias não travam guerras com democracias.
Ele diz que historicamente os EUA não têm credibilidade para estabelecer e manter um tal pacto, lembrando uma série de governos democráticos derrubados com a ajuda do país, a maioria dos quais na América Latina.
“Talvez as democracias não lutem entre si abertamente.
Entretanto, os EUA ajudaram a derrubar, por meio de ações secretas, os seguintes governos democráticos: Irã (1953), Guatemala ( 1 9 5 4 ) , Guiana (1953/1964), Indonésia (1957), Equador (1963), Brasil (1964), República Dominicana (1965), Costa Rica (mais de um ao longo da década de 1950), e Chile (1973)”, relaciona Amorim Neto, que acrescenta à lista “o apoio velado dado pelos EUA ao golpe desferido contra Hugo Chávez, em abril de 2002”.
Para ele, “é esse tipo de ação que tira, principalmente aos olhos latinoamericanos, a credibilidade de propostas como a Liga das Democracias, defendida por John McCain.
(Amanhã, os sindicatos e o livre comércio)