quarta-feira, abril 02, 2008

Dora Kramer - O dono da voz




O Estado de S. Paulo
2/4/2008

Não é a ministra Dilma Roussef e sim o presidente Luiz Inácio da Silva o real objeto da operação de defesa deflagrada pelo Palácio do Planalto na segunda-feira, depois de um fim de semana sem novas complicações no caso do dossiê montado para amaciar ímpetos investigativos sobre os gastos do governo com cartões corporativos.

É Lula quem detém a força política na qual se sustenta o governo inteiro, é ele quem deve ser defendido e protegido da exposição ao dano, por menor que seja o risco diante da impermeabilidade pessoal do presidente a escândalos.

Essa história de que a titular da Casa Civil é vítima de uma conspiração palaciana com o objetivo de minar sua candidatura à Presidência da República em 2010 foi arranjada para dar um colorido eleitoral a um ato de abuso de poder e, como sempre, tentar inverter os papéis transformando o algoz em vítima da própria urdidura.

A versão peca pelo ponto de origem: a candidatura. Simplesmente porque não existe candidatura alguma de verdade. Dilma, com suas maneiras rudes, dificilmente resistiria aos primeiros acordes de uma campanha eleitoral.

Num debate de televisão, seria batida pela própria rispidez. Ou monotonia, conforme atestam as platéias de suas dissertações sobre o PAC. Lula sabe disso e de muito mais.

Por exemplo, sabe que “quando você cita um nome com antecedência você está, na verdade, queimando esse nome. Primeiro você queima internamente com os possíveis pré-candidatos. Depois, queima na base aliada com os candidatos dos outros partidos. E, finalmente, os adversários, a imprensa colocam uma flecha direcionada para ele 24 horas por dia. Então, penso que o nome deve ser mantido em sigilo”.

O presidente disse isso em uma entrevista ao Estado, publicada em 26 de agosto de 2007, ao responder sobre as alternativas de candidatos à sua sucessão.

Por vias transversas teria sido, então, Lula o mandante do dossiê para “queimar” Dilma? Ou ele estaria deliberadamente contrariando a própria estratégia? Por essas e muitas outras é que essa versão não pára em pé.

Não é Dilma Roussef, e sim Luiz Inácio da Silva, quem carrega nas costas a tarefa de assegurar a permanência dos companheiros - designação hoje extensiva a todos os aliados, petistas ou não - na posse do Estado.

Da figura preservada como sagrada depende o sucesso do plano. Venha ele a ser executado mediante esforço de transferência de votos ou por meio de alguma tentativa plebiscitária de dar ao atual presidente a chance de disputar mais um mandato.

Um parêntese, antes de prosseguir: a convocação de um plebiscito só precisa no Congresso de maioria simples. Como o resultado não pode entrar em vigor se estiver em discordância com a Constituição, a Carta precisa ser alterada e aí sim, para a aprovação de uma emenda, pesa a força da resposta do plebiscito.

Para todos os integrantes do governo, Lula é a fonte do poder. Sem ele, nenhum dos outros existe.

Além disso, as informações a serem mantidas em segredo - origem de toda essa movimentação e da montagem de um dossiê de intimidação - dizem respeito aos gastos do presidente da República e família.

Por algum motivo - o País não sabe, mas o Planalto certamente sabe - a divulgação desses gastos está totalmente interditada sob a rubrica da segurança nacional, embora boa parte deles não tenha nada a ver com isso e exista consenso consolidado a respeito da preservação do sigilo do que for de fato estratégico.

Porta-voz

A declaração do vice-presidente da República, José Alencar, à rádio Bandeirantes sobre possibilidade de Lula continuar presidente depois de 2010 “se dependesse na vontade de povo”, não teria maior importância não fossem os antecedentes.

E nem é preciso ir longe, à defesa explícita da tese do terceiro mandato feita pelo deputado Devanir Ribeiro, amigo de longa data de Lula.

É suficiente recordar o teor de duas manifestações do presidente na semana passada feitas com o intuito claro de incluir a idéia da “continuidade” na agenda da sucessão.

Alencar falou em “perguntar ao povo”, o que significa o plebiscito, motivo de tantas desconfianças no meio político, e mesmo entre ministros do Supremo Tribunal Federal.

Agora, um fato cumpre também lembrar: uma das pesquisas de opinião feita no ano passado registrava ao mesmo tempo o apoio da maioria ao governo de Lula e a rejeição majoritária à tentativa de alterar as regras para disputar um terceiro mandato.

Deliberado

Pueril é o mínimo a ser dito sobre a simulação de ato falho do governador Sérgio Cabral ao chamar Dilma Roussef de “presidente”, segunda-feira, no palanque de Itaboraí (RJ).

A adulação é um dado do pragmatismo político. Legítimo. Mas, quando subjuga a inteligência, acaba desqualificando o autor.