editorial |
O Estado de S. Paulo |
24/4/2008 |
Defender o etanol brasileiro tem sido uma das principais ocupações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde que se elevou a produção de biocombustíveis à categoria de crime contra a humanidade. Em Brasília, na semana passada, ele aproveitou a conferência regional da FAO, o organismo das Nações Unidas para alimentação e agricultura, para rebater as críticas à produção de biocombustíveis e mostrar seu potencial de criação de emprego e renda nas economias em desenvolvimento. Poucos dias depois, em Gana, sacramentou o primeiro acordo de financiamento a um país africano para fabricação de etanol, destinado, nesse caso, à exportação para a Suécia. Acordos com outros cinco países da África foram anunciados, num esforço do governo brasileiro para converter o mercado do álcool num típico mercado de commodity, com muitos produtores. A viagem foi uma oportunidade para o presidente retomar a defesa do programa brasileiro de etanol e situar no contexto próprio o debate sobre a crise no mercado global de alimentos. A produção de biocombustíveis tem sido apontada por funcionários da ONU, de outras organizações multilaterais e também por vários líderes políticos como uma das causas da grande alta de preços da comida nos últimos dois anos. Politicamente, é uma tese muito mais fácil de vender do que de refutar. A opinião pública internacional tem uma forte preferência por idéias simples e facilmente conversíveis em palavras de ordem. A tarefa do presidente Lula, nesse caso, é especialmente complexa, porque envolve a distinção entre o etanol brasileiro, extraído da cana, e o dos Estados Unidos, fabricado a partir do milho. O programa brasileiro, como sabe qualquer pessoa razoavelmente informada, é muito mais eficiente em termos energéticos e compatível com a expansão das culturas de alimentos. Mas a maior parte dos políticos e das pessoas mobilizáveis para campanhas de salvação do mundo não é razoavelmente informada nem se preocupa com detalhes técnicos. A tarefa é complicada, também, porque a crítica da produção americana de etanol se desdobra numa crítica dos programas de subsídios adotados em todo o mundo rico. Se americanos e europeus estivessem dispostos a abandonar ou a reduzir substancialmente esses programas, um dos objetivos originais da Rodada Doha de negociações comerciais teria sido alcançado há bom tempo. Ao deslocar a discussão para essa área, o presidente Lula mostra um vínculo importante entre as distorções do comércio de produtos agrícolas e a atual crise de encarecimento da comida. O recado é simples e claro, mas não é facilmente digerido pelos governos do mundo rico: se há alguma relação entre o etanol e a alta das cotações dos alimentos, não se deve apontar o dedo para o Brasil, mas para os países mais protecionistas e mais comprometidos com as políticas de subsídios à agricultura. Mas o etanol, incluído o americano, é apenas um dado a mais num quadro antigo de grandes iniqüidades comerciais. Por muitos anos, as subvenções pagas pelos governos da Europa e dos Estados Unidos promoveram a superprodução agrícola, a acumulação de grandes estoques financiados pelo poder público e a distorção das condições internacionais de concorrência. Os produtores de alguns países, incluído o Brasil, conseguiram assim mesmo conquistar espaços importantes no mercado global. Agricultores das áreas mais pobres, notadamente as da África e de algumas áreas da Ásia, no entanto, foram impedidos de competir com um mínimo de eqüidade. Também isso explica a permanência do subdesenvolvimento agrícola nas áreas mais pobres do mundo. A instabilidade política tanto reforça a miséria quanto é por ela reforçada. Por vários fatores, programas do Banco Mundial fracassaram, nos últimos 30 anos, e muito dinheiro foi tragado pela ineficiência das políticas e pela corrupção. Terão os dirigentes africanos uma noção clara de todos esses fatos? Talvez tenham. No entanto, poucos têm acompanhado as posições brasileiras nos debates da Rodada Doha e nas disputas na Organização Mundial do Comércio. Poderiam ganhar com a liberalização dos mercados, mas preferem, com freqüência, defender, em troca de quase nada, o protecionismo desejado pelos europeus que os colonizaram. |