editorial |
O Estado de S. Paulo |
2/4/2008 |
Presidente mais popular da história da Nova República, Luiz Inácio Lula da Silva se comporta como se estivesse ameaçado de perder esse apoio, que não pára de aumentar, como se, neste momento, a oposição tivesse condições de abalar sua posição hegemônica no cenário político nacional. A situação é surrealista. Ocupando praticamente todos os espaços do palco político, o presidente sobe ao palanque, dia sim, o outro também, para investir, obsessivamente, contra aqueles que por várias razões acabaram relegados à função de coadjuvantes do repetitivo espetáculo - “interlocutores afônicos”, diria o ex-presidente Fernando Henrique, do debate público nacional. A argumentação lulista não prima propriamente pela variedade. Os seus monólogos arrogantes e, às vezes, raivosos se resumem a dois temas: o bem sem precedentes que ele faz ao povo e o mal imitigado que lhe fizeram os que o precederam no poder, “desde Cabral”, como aprecia declamar. O que varia é o lugar - qualquer ponto do território, menos Brasília, na medida do possível. É o périplo do PAC, para o qual ele carrega a ministra Dilma Rousseff, a “mãe” do programa, presumivelmente contrafeita. Afinal, para justificar por que não se disporia a depor na CPI dos Cartões, por causa do dossiê vazado para a imprensa e pelo qual é a responsável em última instância, a titular da Casa Civil disse dias atrás que tem mais o que fazer. “Prefiro passar 12, 13, 14 horas dentro do Planalto tratando do PAC”, alegou. E foi ao lado dela, em Duque de Caxias, num evento para marcar o início das obras do programa no Estado do Rio, anteontem, que Lula anunciou que “esse país está nascendo, gente”. Seguiu-se a apelação eleitoreira: “Esse país ainda leva alguns anos. Eu termino meu mandato em 2011, dia 1º. O que é importante saber é que precisamos daqui para a frente organizar a sociedade para não permitir que esse país tenha o retrocesso.” Quando vai de palanque em palanque, inebriado pelos vapores da popularidade, Lula deixa em Brasília o bom senso e a ponderação com que costuma agir. Ora não demonstra o menor pudor em dar barretadas a políticos execráveis, que enxovalharam como poucos na história recente o Congresso Nacional - o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti e o ex-presidente do Senado Renan Calheiros. Um foi obrigado a renunciar ao cargo e ao mandato, em setembro de 2005, para não ser cassado por aceitar suborno. O outro precisou entregar os anéis (o posto) para não perder os dedos (o mandato e os direitos políticos) depois de ter dado informações comprovadamente falsas para negar as suas estranhas ligações com o lobista de uma empreiteira. Ora cospe fogo contra a oposição: “Eles estão destilando ódio, coisa que, mesmo quando eu era líder sindical, não conseguia fazer, não destilava ódio desse jeito”, disse, no mesmo discurso, no interior de Alagoas, na sexta-feira, em que saudou “o companheiro Renan”, presente ao ato: “Não vou permitir que alguém que não tenha moral de (sic!) fazer crítica possa fazer com que eu rompa a amizade que tenho com um companheiro que me ajudou tanto tempo no Senado.” Antes, no Recife, havia culpado a oposição por ter elegido Severino, “achando que ia ser contra o governo”, e pela sua queda, por ele não ter correspondido às suas expectativas - um verdadeiro disparate que ignora o papel da opinião pública no episódio. (Severino, aliás, não se reelegeu em 2006.) À primeira vista o comportamento de Lula pode parecer absurdo. Pelos critérios do senso comum, não teria sentido o fato de a sua exasperação contra os seus opositores aumentar como que na razão direta do crescimento de sua popularidade. Mas o que explica o seu comportamento - tanto a ira contra quem não o apóia quanto a amizade com os corruptos que o apóiam - é o seu temperamento autoritário, que nem sempre consegue disfarçar com o “Lula paz e amor”. O que ele almeja é uma maioria de 98%. Há motivos para desconfiar que não é apenas o seu vice, Alencar, que acha que “o povo brasileiro deseja que Lula fique por muito mais tempo no poder”. |