sábado, março 29, 2008

A classe C já é maioria e revoluciona a economia

Ela empurra o crescimento

Em dois anos, 20 milhões de brasileiros saíram da pobreza
e emergiram para a classe C. Esse fenômeno catapultou
o consumo e expandiu a classe média, deixando o país
a um salto do desenvolvimento


Julia Duailibi e Cíntia Borsato

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A história de sucesso das nações hoje desenvolvidas possui um traço comum e inequívoco: a ascensão política e econômica da classe média. Essa evolução foi primeiro observada na Europa, onde sociedades estratificadas e sem mobilidade deram lugar a países dinâmicos após a irrupção do capitalismo. Esse fenômeno chegou tardiamente ao Brasil e nunca fincou raízes sólidas e duradouras. Houve fases de rápido crescimento, como na industrialização do início do século passado ou no milagre econômico dos anos 70. Mais recentemente, o país chegou a vislumbrar um salto rumo ao desenvolvimento com o Plano Cruzado. Mas, em todos esses casos, o aumento no padrão de vida dos mais pobres foi transitório e abortado pouco depois por crises econômicas. Agora, com a retomada do crescimento econômico, o país volta a se ver diante da oportunidade de romper, de maneira definitiva, com o subdesenvolvimento. Nos dois últimos anos, mais de 20 milhões de brasileiros saíram das camadas sociais mais baixas – as chamadas classes D e E – e alcançaram a classe C, a porta de entrada para a sociedade de consumo.

Valeria Gonçalvez/AE
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As conclusões acima fazem parte do estudo Observador 2008, feito pelo instituto de pesquisas Ipsos sob encomenda da financeira Cetelem, pertencente ao banco francês BNP Paribas. Trata-se da mais recente evidência de que o país tem conseguido, enfim, reduzir sua população de miseráveis, ao mesmo tempo em que começa a formar uma sociedade de consumo de massa. Outras pesquisas e estudos, com metodologias distintas, já haviam detectado esse avanço (veja quadro), que nada mais é senão a recompensa ao ciclo de reformas e ajustes econômicos feitos pelo país desde o Plano Real, sobretudo o combate à inflação. Comparado ao meio bilhão de novos consumidores que China e Índia produziram na última década, o fenômeno brasileiro pode não impressionar. Mas é notável. É como se, nesse curto espaço de tempo, dois Portugais inteiros tivessem saído da pobreza no Brasil. O resultado disso é que, em um fato inédito na história recente, a classe C é hoje o estrato social mais numeroso do país. Segundo o estudo Observador 2008, são 86,2 milhões de pessoas, o equivalente a 46% da população brasileira (em 2005, a participação delas era de 34%). Já as faixas D e E, que representavam 51% da população em 2005, agora tiveram sua fatia diminuída para 39%.

É sempre uma boa notícia a ascensão econômica de pessoas, especialmente a caminho da classe média, notório colchão social entre os estratos mais ricos e mais pobres, capaz de reduzir as tensões sociais e conter a demagogia anacrônica da luta de classes, muito em voga na América Latina. Se a emergência da classe C é um processo sustentável, só o tempo dirá. O que se pode atestar com certeza é que essa transformação deu novo ânimo à economia, despertando o surgimento de negócios, criando empregos e aproximando o Brasil de uma verdadeira economia de mercado. Diz o filósofo Roberto Romano, da Unicamp: "Um país em que a classe média diminua está fadado à estagnação social e econômica. O desafio agora será integrar essa massa populacional à produção de bens e serviços mais elaborados, com investimento em educação técnica, para que esse fenômeno não seja passageiro". O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, concorda: "O aumento do poder de consumo nas classes mais baixas, associado à estabilidade da economia, trouxe uma nova dinâmica social e resultou numa situação inédita de redistribuição de renda". Trata-se, segundo ele, de um marco na história do país, que o coloca no limiar do desenvolvimento.

Existe uma relação direta entre o progresso de um país e a força de seus consumidores. Também há uma conexão direta entre a sociedade de consumo e o crédito. "Não existe crescimento econômico sem crédito, e não há crédito sem estabilidade", afirma Franck Rosez, diretor de marketing da Cetelem. Em 2001, o total de crédito disponível na economia brasileira representava 22% do PIB (produto interno bruto). Em 2007, o porcentual chegou a 35% e, de acordo com projeções do Banco Central, no fim deste ano ele deverá atingir 40%. Esse avanço beneficiou mais as classes baixas, para as quais crédito era, até pouco tempo, atrás, artigo de luxo. "Os mais pobres tinham financiamento curto, com parcelas muito altas. Hoje, os prazos se ampliaram, as parcelas são menores e a classe C consegue comprar mais produtos e administrar a renda disponível", diz Henrique Frayha, presidente da financeira Losango, do banco HSBC. Há ainda o estímulo dos programas sociais, como o Bolsa Família e as aposentadorias rurais. Essa receita de ingredientes positivos faz com que os mais pobres tenham mais dinheiro no bolso e acesso facilitado a financiamentos de longo prazo, elevando o seu padrão de consumo.

A boa notícia é que, desta vez, tudo leva a crer que não se trata de mais uma bolha como as do passado. Nem de um vôo de galinha. Um sinal disso é que, mesmo com a crise financeira nos Estados Unidos, o Brasil deverá registrar em 2008 mais um ano de crescimento econômico acelerado. Para o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, um aspecto essencial que ajuda a entender essa ascensão social é o aumento no número de empregos formais. "Uma firma que contrata alguém formalmente não pensa em demiti-lo logo depois", diz Neri. Isso é positivo porque, com carteira assinada e emprego estável, o trabalhador consegue planejar melhor seu futuro e investir em seu bem-estar. O economista, no entanto, preocupa-se com outro aspecto: milhares de pessoas foram favorecidas pela política do governo de dar reajustes acima da inflação para o salário mínimo, o que beneficiou fortemente os aposentados do setor rural, principalmente no Nordeste. "O problema é que essa política tem um custo fiscal muito grande. Não dá para sustentá-la eternamente", alerta Neri. "Não é interessante promover a ascensão dessa faixa da população com dinheiro público. Os programas sociais do governo devem ser dirigidos à população de indigentes."

Seja qual for o combustível desse avanço, ele estimulou o surgimento de novos negócios em todo o país, mas principalmente onde as políticas sociais se fazem sentir com mais força, no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Lojas que tinham alcance local estão se transformando em poderosas redes regionais tendo como cliente primordial os consumidores da classe C. Esses emergentes do comércio carregam nomes ainda pouco conhecidos no Sudeste. Entre eles estão a Insinuante, líder no varejo de eletroeletrônicos no mercado nordestino (leia texto na pág. 86); a Hermol, de móveis e decoração; o Armazém Pará e a Cimfel, de materiais de construção; a Farmácia dos Pobres, entre outros. Todos ganham força graças a essa nova classe consumidora. A multinacional suíça Nestlé criou toda uma nova linha de produtos para atingir as camadas mais populares. A Cyrela, construtora especializada em imóveis de alto padrão, anunciou a criação da Cytec, voltada para a classe C. Há razões de sobra para tanto interesse. De acordo com a consultoria Data Popular, a classe C apresentou o maior crescimento de renda em comparação com as demais classes. Desde 2002, houve um aumento de 31% nos rendimentos desse grupo – acima da média nacional, de 21%. Até o ano passado, foram cerca de 100 bilhões de reais a mais na massa de renda dessas pessoas.

O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920)descreveu as pessoas excluídas do mercado de consumo como os "negativamente privilegiados", cuja subsistência dependia do estado. É desse lamaçal econômico que conseguiram escapar 20 milhões de brasileiros que migraram das classes D e E para a C nos últimos dois anos. Com o recém-adquirido acesso ao consumo e à informação, espera-se que esses brasileiros cortem o cordão umbilical que os liga ao estado. Que se tornem, enfim, cidadãos autônomos.

EMPREGADO E PATRÃO

Paulo Santos/Interfoto

Até 2004, o paraense Mário Pereira ganhava 450 reais por mês vendendo frutas e hortaliças numa banca do mercado Ver-o-Peso, em Belém. Naquele ano, começou a trabalhar como administrador de um pequeno porto da cidade. Enquanto dá expediente, deixa um funcionário cuidando da banca no mercado. Resultado: sua renda quadruplicou. Animado, fez uma grande reforma em sua casa. "Agora, tenho acesso a crédito", comemora Pereira.

MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO

Liane Neves

A família Silveira de Porto Alegre vivia até 2006 com apenas 600 reais por mês, valor que exigia um estilo de vida espartano. No ano passado, Monique, de 23 anos, e seu irmão Fransces, de 22, conseguiram emprego. Dispondo de apenas 1 200 reais por mês, a família comprou computador, TV, DVD, geladeira, microondas, máquina de lavar e trocou o carro. Tudo financiado. "Dividimos as contas. Cada um de nós comprou um produto", diz Monique (na foto, no centro).

CAPITAL DE GIRO

Oscar Cabral

O carioca Joelson Máximo, de 33 anos, trabalha como motoboy desde 1996. Nunca havia ganho mais que 600 reais por mês. Em 2007, juntou-se a dois amigos e abriu uma empresa de entregas rápidas. Eles financiaram três motocicletas e foram em busca de clientes. Hoje, Joelson retira 2 000 reais por mês. O dinheiro extra o ajudou a terminar a construção de sua casa, na região metropolitana do Rio de Janeiro. "É a primeira vez que vejo minha vida melhorar", diz.

A PALAVRA PROIBIDA

O inchaço da classe C não explica, por si só, a obsessão dos empresários em conquistá-la. Há um outro fator, igualmente relevante. Dado um mesmo volume de negócios, pode-se lucrar mais com ela do que com as classes A e B, em quaisquer setores da economia – do varejo às finanças. Por uma simples razão. Tendo menor poder de barganha, consumidores menos abastados submetem-se a tarifas e juros mais elevados. Tome-se o exemplo de um banco de grande porte já dotado de estrutura contábil e jurídica. Para uma instituição com esse perfil, é muito mais vantajoso conceder 1 000 empréstimos de 1 000 reais, sobre os quais incidem taxas e juros maiores, do que um único financiamento de 1 milhão de reais – no qual o cliente, por ser preferencial, geralmente paga juros menores e se livra das tarifas. Isso sem contar a vantagem, para o banco, de dispersar o risco de inadimplência em vários contratos. Lucros maiores também se escondem atrás de produtos mais baratos. Tome-se o exemplo de uma das maiores companhias de higiene e limpeza do mundo, com forte atuação no país. Embora os preços de seus detergentes destinados à baixa renda sejam 30% inferiores ao custo médio do produto no mercado, o retorno sobre o capital investido que proporcionam é cinco vezes maior.

Xando Pereira
Loja da Insinuante, na Bahia: popular e pobre são palavras vetadas no varejo

A classe C, portanto, é uma riquíssima fonte de lucros. Desde, é claro, que consuma bastante, e a crédito – hipótese que só se verifica agora, depois de três décadas de estagnação econômica. Mas não é tão fácil seduzi-la. Até o início do Plano Real, eram raríssimas as pesquisas de mercado voltadas à classe C. Hoje, são maioria. Dessas pesquisas saem lições valiosas. A principal delas: seus integrantes têm ojeriza aos termos "popular" e "pobre", vetados nas campanhas publicitárias. Eles preferem identificar-se como consumidores de classe média – o que, de fato, são, ainda que se situem nas camadas inferiores desse estrato econômico. Daí a resistência estratégica dos empresários do setor em admitir que vendem principalmente produtos populares. É o caso de Luis Carlos Batista, um dos maiores estrategistas desse segmento. Sua rede de lojas no Nordeste carrega o sugestivo nome de Insinuante. É uma espécie de Casas Bahia da região, líder na venda de eletroeletrônicos no Nordeste e o quarto maior varejista do Brasil, atrás apenas das Casas Bahia, do Ponto Frio e do Magazine Luiza. Ainda que reconheça a "relevância enorme da classe C", Batista nega que sua companhia esteja umbilicalmente ligada aos produtos populares: "Nosso crescimento não vem só da classe C. Vem muito da classe média também. Eu quero pegar todas as classes". Há quem discorde. A Insinuante ganha muito dinheiro com o financiamento na venda de seus produtos – 85% de tudo o que é vendido na rede é financiado. Considerando a preponderância da classe C entre os tomadores de empréstimos no país, deduz-se, assim, que a Insinuante depende muito mais dos consumidores mais pobres do que faz parecer – paradoxalmente, como uma estratégia para atrair justamente esses consumidores. "Hoje, no varejo, ganha-se muito mais com a receita financeira. Ela chega a ser mais importante que a venda das mercadorias. Muitas vezes, os produtos são comercializados abaixo do preço de custo para que a rede consiga manter o cliente comprando a taxas financiadas", diz Eugenio Foganholo, especialista em varejo. Na venda de alguns produtos, as taxas de juros no financiamento chegam a mais de 80% ao ano.

Nos últimos quatro anos, a Insinuante cresceu quase 200%. A pequena loja de sapatos, aberta pelo pai de Batista em Vitória da Conquista, no interior da Bahia, em 1959, transformou-se numa empresa gigantesca, que deve faturar neste ano 1 bilhão de dólares e chegar à marca de 300 lojas no primeiro semestre de 2008. Inspirado em Sam Walton, dono da maior rede de varejo do mundo, a americana Wal-Mart, Batista fiscaliza pessoalmente as vendas na sede do grupo, um complexo de mais de 100 000 metros quadrados na Grande Salvador. Na década de 80, quando ainda tinha uma loja pequena no centro de Salvador, o dono da Insinuante foi procurado por um vendedor de anúncios da retransmissora local do SBT, antiga TVS. Batista disse que pagaria pelos anúncios, desde que fossem veiculados no programa dominical de Silvio Santos. Missão praticamente impossível, pois o caríssimo cachê pela locução do famoso Lombardi era inviável. Depois de muito jeito e muita lábia, Batista chegou a uma solução inovadora. Os anúncios foram veiculados no programa, mas não pelo Lombardi original, e sim por um imitador. Quando o verdadeiro era chamado por Silvio Santos para ler as ofertas, o sinal nacional do canal era cortado. O imitador entrava em cena somente na retransmissora local. A operação foi tão boa que ninguém percebeu os cortes da programação. Hoje a Insinuante não mais recorre a essa estratégia de guerrilha. É a maior anunciante da região, com 1 060 inserções na TV por dia e 3 milhões de encartes promocionais por mês.

Com reportagem de Marcelo Bortoloti

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A era do crédito

"O quadro econômico que provavelmente
prevalecerá em 2010 não será muito diferente
do atual. A chamada classe C, composta de
pessoas que têm experimentado oportunidades
ampliadas de emprego, salários mais altos e
acesso a produtos bancários e crédito,
constituirá importante força eleitoral"

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Ela empurra o crescimento

Desde o fim da II Guerra Mundial, o Brasil só conheceu curtos períodos de bonança. Fases boas, de crescimento rápido da produção e do emprego, tinham breve duração. Logo surgia uma crise, habitualmente associada a problemas externos. Isso mudou. O cenário agora é outro, e contempla um raro conjunto de fatores positivos. As exportações, que entre 1994 e 2002 aumentavam a um ritmo médio anual próximo de 5%, passaram a crescer a uma taxa superior a 21%. Ao mesmo tempo, os preços internacionais das mercadorias produzidas pelo Brasil elevaram-se. Com isso, adquirimos grande volume de moeda forte. Na esteira desses acontecimentos, o governo brasileiro tomou boas medidas. Quitou compromissos com credores externos e alterou o perfil do endividamento doméstico. O valor da nossa dívida deixou de ser afetado pela variação do dólar. A maioria das pessoas não sabe detalhes desse processo, mas percebe seus efeitos. Os choques de antes não mais se verificam. Em conseqüência, a confiança se generaliza: empresários investem, apostando que continuarão a vender bem; banqueiros emprestam, acreditando que não haverá calote; e as famílias não temem contrair dívida, porque não vêem mais o fantasma do desemprego.

Mauro Nascimento/AE
O ex-diretor do Banco Central José Júlio Senna comemora o aumento do consumo movido a crédito, mas faz um alerta: para o atual ciclo de crescimento se manter, é preciso, também, estimular a produção

O fenômeno é real, bem distinto de experiências de outros tempos, quando planos econômicos baseados em congelamento de preços provocavam insustentável explosão de consumo. A inflação baixa e controlada permite que todos possam se planejar. Crescem as vendas de bens duráveis, como eletrodomésticos e automóveis. As condições financeiras mais estáveis e o alongamento de prazos do crediário facilitam a conciliação de planos de compra com o orçamento das famílias. Estamos, portanto, diante de nítida melhora da estrutura da economia, que ficou menos vulnerável. Vivemos uma nova fase da administração Lula. Na primeira, houve predomínio do modelo de transferência de recursos, calcado no Bolsa Família. Bem focado, o programa tirou muita gente da pobreza, dando a muitos a oportunidade de consumir. Os resultados, particularmente sentidos no Nordeste, foram decisivos para a reeleição de Lula. Agora, o predomínio é do crédito. Os bons resultados no terreno da inflação têm viabilizado juros mais baixos, algo que dá estímulo extra à expansão dos financiamentos. Os empréstimos de bancos para o setor privado correspondiam a 23% do PIB em 2003. Em fevereiro deste ano, chegaram a mais de 34%.

Essa fase positiva tem condições de se sustentar? Não há razão para pensar em eventual interrupção ou abalo – desde, é claro, que não haja retrocesso na política econômica e a confiança dos brasileiros se mantenha firme. Mesmo que o Banco Central seja obrigado a elevar um pouco a taxa básica de juro, dificilmente os juros reais voltarão ao patamar observado em 2004, por exemplo, quando atingiram 14% ao ano, descontada a inflação. A economia mundial atravessa momento mais difícil, mas a situação externa do Brasil parece confortável. Tudo isso significa que o quadro econômico que provavelmente prevalecerá em 2010 não será muito diferente do atual. A chamada classe C, composta de pessoas que têm experimentado oportunidades ampliadas de emprego, salários mais altos e acesso a produtos bancários e crédito, constituirá importante força eleitoral.

Mas nem tudo são flores. Ainda que o Bolsa Família mereça apoio, principalmente por sua exigência de atendimento escolar, ele não é tão eficiente quando pouco se faz para melhorar a qualidade do sistema educacional. Também é preciso criar portas de saída para que o benefício não se transforme em elemento inibidor da oferta de trabalho. Preocupa, ainda, o perfil dos empréstimos no país. É saudável que o sistema de crédito se desenvolva. Mas sua expansão tem privilegiado o consumo, e não a ampliação da capacidade produtiva. Isso sem contar alguns gargalos históricos. Em qualquer economia, para que haja crescimento mais vigoroso e sustentável, é fundamental que se estimule a disposição de empresários para produzir, para criar emprego. Atualmente, os negócios sofrem com o excesso de burocracia, com os elevados impostos e com a precariedade da infra-estrutura. E já se defronta com escassez de profissionais bem treinados. Isso remete a outro problema crônico do Brasil, que é a pouca importância dada à educação. Se os trabalhadores são mais bem treinados e educados, a produção cresce mais rapidamente.

Caminhos como esse são os únicos em direção ao crescimento verdadeiramente sustentado. Mas ainda persistem crenças anacrônicas, como a de que o aumento dos empregos públicos deveria ser estimulado. Ledo engano. Quanto mais se eleva o gasto governamental, mais pesada se torna a carga de impostos sobre os ombros da sociedade. E essa carga já representa um dos mais sérios obstáculos ao nosso processo de desenvolvimento econômico. Não há melhor estratégia do que a de dar mais liberdade às forças produtivas. Se não conseguirmos soltar o "freio de mão" que contém a expansão da produção, tudo isso acabará resultando apenas em mais inflação, ou crescimento em ritmo bem inferior ao de outras nações emergentes.

José Júlio Senna, Ph.D em economia pela Universidade Johns Hopkins,
foi diretor do Banco Central e é sócio da MCM Consultores Associados