O Estado de S. Paulo |
1/2/2008 |
Providências são sempre bem-vindas, ainda que tardias. Não dispensam, porém, algumas observações a respeito de um assunto com cara, cheiro, cor e tamanho de escândalo de proporções amazônicas. Por exemplo, a mais óbvia: as novas restrições aos saques em espécie dos cartões corporativos, embora imprescindíveis, não garantem a lisura do uso. Não asseguram por si só que haverá controle. As irregularidades aconteceram justamente por falha dos mecanismos internos da administração pública para fazer cumprir as normas já existentes. A Controladoria-Geral da União estava com todos os dados em seu poder e não agiu. Os saques, agora reconhecidos como nocivos à transparência dos gastos públicos, não podem ser esquadrinhados, muito menos recuperados. A expectativa do Planalto de que a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, peça demissão para evitar desgaste ao governo pode até contornar um problema político, mas não resolve a distorção administrativa resultante do descontrole interno que deixou uma boa idéia a serviço do abuso. Criados para a utilização da Presidência da República e dos ministros de Estado em casos de emergência, são distribuídos a rodo, inclusive nas administrações estaduais, fundações e autarquias. O Tribunal de Contas da União já fez duas auditorias - em 2005 e 2006 -, preparou relatórios com recomendações para corrigir diversas irregularidades constatadas, mas foi solenemente ignorado, como se vê pela ponta do que pode ser um legítimo Monte Everest, exposta na análise rápida das contas de apenas três ministros. Depois da casa arrombada durante três anos em que as despesas mais que quintuplicaram (de R$ 14 milhões em 2004 para R$ 75 milhões em 2007), o governo achou por bem se mexer pela primeira vez e impor um limite aos saques na boca do caixa, a operação mais escandalosa, mas não a única, do sistema. Poderia ter acrescentado, a título de providência realmente efetiva, a suspensão imediata dos cartões por um determinado período, como chegou a sugerir o ministro do TCU Raimundo Carreiro na reunião de quarta-feira, em que o tribunal resolveu fazer uma nova auditoria. Carreiro fez mais um desabafo, pois, conforme lembra o presidente em exercício do TCU, Ubiratan Aguiar, cabe ao gestor, no caso a Presidência da República, tomar uma decisão dessa ordem. Ela acompanharia o procedimento das administradoras e usuários de cartões de crédito quando se constata qualquer tipo de despesa indevida em função de perda, roubo ou clonagem. O bloqueio dos cartões é a mais eficiente proteção ao dono do dinheiro, seja ele o proprietário do cartão ou a instituição que restitui a quantia ao titular da conta. Estanca a sangria. Um trabalho razoável de investigação não pode considerar apenas os casos atuais. É indispensável um pente fino em todas as contas, a fim de verificar a extensão dos danos causados pelo descontrole sobre os cartões. É uma tarefa difícil? Monumental, mas sem ela paira a suspeição de que Matilde Ribeiro pode ter sido escalada para cristo. Ficará também a impressão de que as novas restrições anunciadas ontem são apenas um lenitivo destinado, não a apresentar uma solução de fato, mas a dar uma satisfação por enquanto insatisfatória. Urgência adiada O presidente Luiz Inácio da Silva levou uma semana para suspeitar dos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o aumento do desmatamento na Amazônia que, segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pode ter chegado a 7 mil quilômetros quadrados no segundo semestre de 2007. Ontem Lula considerou o cálculo um exagero, chegou a compará-lo ao diagnóstico de câncer para um quadro sintomático de “coceira”. Mas, no primeiro momento, convocou reunião de ministros, determinou execução de medidas para conter a derrubada das árvores, determinou o corte de crédito de potenciais responsáveis pela devastação, fez um carnaval. Uma de duas: ou agiu por impulso sem o exame correto dos dados ou estava certo e, no recuo, resolveu ser fiador da omissão de socorro à floresta. Redução de danos A presença de Fernando Henrique Cardoso em inauguração de estação de trem para aparecer ao lado do governador José Serra e do prefeito Gilberto Kassab e dar margem à óbvia interpretação de que avaliza em definitivo a aliança com o DEM enseja duas leituras. Uma, a de que o tucanato quer resolver logo a parada e sacramentar o acordo com Kassab, evitando que a pendenga se arraste por mais cinco meses, até a data limite para a apresentação da candidatura. A outra hipótese é que FH faz agrados públicos a Kassab no intuito de preparar o caminho para uma solução em favor de Geraldo Alckmin com o mínimo de trauma possível. |