O Estado de S. Paulo |
29/2/2008 |
Bernanke é o presidente do banco central dos Estados Unidos (Federal Reserve System, o Fed), guardião não só do dólar, mas, também, de todo o sistema financeiro americano do qual os bancos são parte. Nessa tarefa, um banco central tem de supervisionar a atividade dos bancos e oferecer-lhes botes salva-vidas sempre que corram perigo. Se, lá pelas tantas, alguns bancos acabarem quebrando, como Bernanke avisou ontem, pode-se ter certeza de que a tensão entre o céu e a terra exigirá imolação de algumas vítimas para que o equilíbrio se restabeleça. Bernanke insinuou que as falências não incluirão bancos grandes: "Eles têm caixa suficiente para se manter solventes." Ora, bancos menores exigiriam menos recursos para serem resgatados. Se, ainda assim, não haverá salvação para alguns deles, então parece claro que o problema não é falta de dinheiro. O problema é que não há nem interesse nem disposição do Fed na sobrevivência dessas instituições. Essa não foi a única revelação de Bernanke no depoimento de ontem no Senado dos Estados Unidos. Ele disse também que a atual crise é mais brava do que foi a recessão de 2001 e deixou claro que o dólar vai se desvalorizar. A reação imediata do mercado foi a puxada das cotações do euro para US$ 1,520 (alta de 0,6%); da onça-troy de ouro (31,104 gramas) para US$ 971 (alta de 1,6%); e do petróleo para entrega em abril para US$ 102,59 por barril de 159 litros (alta de 3,0%). Enfim, com exceção das ações, quase tudo o que é cotado em dólares subiu de preço, mostrando a quantas anda a desvalorização da moeda americana: dia após dia, cada vez mais dólares são necessários para comprar a mesma coisa. Ontem, um político perguntou a Bernanke o que aconteceria se os fornecedores da Opep passassem a cotar o petróleo em euros e não mais em dólares, como vêm ameaçando. Bernanke respondeu que não ocorreria nada de especialmente relevante. Seria "um fato simbólico" e de "importância secundária", porque os pagamentos continuariam sendo feitos em dólares. O assunto aí são as funções clássicas da moeda: servir de meio de pagamento; de medida de valor; e de reserva de valor. Bernanke lembra que a função de meio de pagamento continuará preservada, apesar da desvalorização do dólar, talvez porque no momento não haja outra moeda com volume suficiente para desempenhar essa função. Mas é preciso reconhecer que as outras duas funções do dólar vão sendo progressivamente prejudicadas. A nova demanda global é a de que algumas commodities e os contratos da top model brasileira Gisele Bündchen sejam estipulados em euros e não mais em dólares. Isso mostra que o dólar enfrenta uma crise de confiança tanto na sua função de medir valores como na de preservar valores. Nada disso é definitivo porque a economia americana continua sendo a potência que é. Mais dia menos dia, essa crise irá embora e o dólar voltará a ser a força que foi. Mas até lá, sabe-se lá quantos carneiros terão de ser sacrificados ao deus Moloque. Confira "Roubaero" - O governo voltou a desmentir a privatização da Infraero. Alta fonte avisa que o projeto é abrir o capital e manter o controle no Tesouro. A Infraero tem uma história conhecida de corrupção, ineficiência e inversão de prioridades. Quem se aventuraria a investir em ações de uma empresa que a qualquer momento voltará a ser responsabilizada pelos desmandos na infra-estrutura do setor aéreo brasileiro? Para restabelecer a moralidade é preciso bem mais do que abrir o capital e listar a Infraero entre as ações do Novo Mercado. |