Editorial |
O Estado de S. Paulo |
23/1/2008 |
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) mostrou ousadia ao cortar em 0,75 ponto porcentual a taxa básica de juros dos Estados Unidos, reduzindo-a para 3,5% ao ano, o menor nível desde 2005. O pânico que tomou conta das bolsas do mundo inteiro na segunda-feira, quando a bolsa de Wall Street não abriu porque era feriado nos EUA, é que levou o Fed a anunciar a decisão em caráter emergencial (a próxima reunião regular do Comitê Federal do Mercado Aberto, o órgão do Fed que decide sobre os juros, será na semana que vem), fato que não ocorria desde os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. O corte foi o maior já decidido pelo Fed em mais de 20 anos. À crise iniciada no mercado imobiliário e que afeta de maneira aguda o sistema financeiro americano, impondo pesados prejuízos a instituições de grande porte, somou-se, nas últimas semanas, a sensação dos investidores de que as principais autoridades econômicas e financeiras dos Estados Unidos estavam vacilando. Em dezembro, por exemplo, o Fed informou que, na sua avaliação, o problema principal da economia americana era a inflação e não a redução da atividade econômica vislumbrada pelos investidores. Por isso, decidira reduzir o juro básico, o dos Fed Funds, em apenas 0,25 ponto porcentual. Finalmente, na semana passada, o presidente do Fed, Ben Bernanke, fez uma avaliação que se aproxima da feita pelos investidores e operadores dos principais mercados financeiros do mundo. Disse que não estava esperando uma recessão, mas reconheceu que “as condições gerais da economia americana estão em deterioração”. Faltava o Fed agir de acordo com essa nova avaliação. Mas o que desencadeou o pânico nas bolsas internacionais foi a fala de Bush, na sexta-feira passada, anunciando um conjunto de medidas fiscais, entre elas cortes de impostos para ajudar pessoas físicas e empresas, num total de US$ 150 bilhões neste ano. É difícil imaginar qual o montante de redução ou devolução de impostos que poderia tranqüilizar os operadores do mercado. Mas esse evidentemente não agradou. Mas, na sexta-feira, a Bolsa de Nova York fechou em pequena baixa de 0,49%. O que se viu na segunda-feira em todo o mundo, no entanto, quando a Bolsa de Nova York não funcionou, foi um autêntico cataclismo, só comparável com o que sacudiu as bolsas em 11 de setembro de 2001. A decisão de ontem do Fed acalmou imediatamente os mercados - a Bolsa de Valores de São Paulo e as bolsas européias reagiram com fortes altas ao anúncio do corte dos juros, mas Nova York funcionou com grande nervosismo abrindo em forte baixa e fechando em queda de pouco mais de um ponto porcentual. A calma poderá voltar quando forem aplicadas as medidas fiscais anunciadas pelo presidente Bush. Ontem, após o anúncio da redução dos juros pelo Fed, a porta-voz da Casa Branca, Dana Perino, disse que o anúncio feito pelo presidente George W. Bush, de um alívio fiscal de 1% do PIB, foi apenas o “ponto de partida” do plano do governo americano de estímulo à economia. “Não ouvi ninguém sugerir mais que 1%, mas isso não significa que por trás das portas fechadas, em suas negociações, eles (os membros do governo) não estejam pensando nisso”, disse Perino. Já o secretário do Tesouro, Henry Paulson, se disse otimista com a possibilidade de aprovação rápida pelo Congresso americano das medidas já anunciadas. É cedo, porém, para falar em fim da instabilidade nos mercados. Ainda é forte a sensação de que a crise americana é mais profunda do que se imaginava. Teme-se, além disso, que, depois dos bancos, os prejuízos afetem os balanços das companhias seguradoras, o que realimentaria a crise. No Brasil, ao contrário do que se observou nas crises da década passada (do México, da Ásia e da Rússia), a economia está em excelentes condições para enfrentar as turbulências financeiras sem grandes problemas, graças, principalmente, à situação confortável das contas externas. Mesmo assim, se a crise internacional se aprofundar, seus efeitos certamente atingirão o País. Nesse caso, de nada adiantará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizer, como fez anteontem, que quem não participou do “cassino” americano para “ganhar dinheiro fácil” não deveria pagar a conta.
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