PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
23/1/2008 |
O Fed pulou na dianteira e cortou 0,75 ponto percentual da taxa de juros nove dias antes da reunião; e pode cortar de novo semana que vem. Isso tirou o mercado do pânico. O mundo vive os efeitos de uma bolha incentivada por juros baixos demais no mercado americano, e agora o remédio é nova queda de juros. Dos dois medos, o Fed escolheu combater primeiro a recessão e cuidar da inflação depois. Os nervosos dias recentes levantam muitas dúvidas. Os Estados Unidos estão mesmo em recessão? O descolamento dos fortes emergentes em relação aos EUA é possível? O que acabou ontem: o pânico ou a crise? O economista José Roberto Mendonça de Barros acha que o mercado financeiro ora usa um tapa ouvidos, ora um óculos fundo de garrafa. Quando está eufórico, não ouve notícia sobre os riscos; quando está pessimista, não vê as chances e nuances da crise. Ele acredita ainda na tese do descolamento. Já o economista Ilan Goldfajn acha que o Fed está apenas tentando evitar a recessão prolongada. Ilan vê a recessão como inevitável; só se pode discutir o tempo de duração. Para José Roberto, há muita solidez nas economias em desenvolvimento, o que pode mantê-las funcionando mesmo num cenário de recessão americana: - Na China, há muita demanda que não tem a ver com a economia americana. São decisões de investimento de um país que poupa 42% do PIB. Investimentos em infra-estrutura que manterão a economia chinesa crescendo - acredita ele. Ontem mesmo, a China anunciou a construção de metrôs em Pequim, para melhorar a qualidade do ar, ainda para as Olimpíadas. - O Fed vai baixar de novo os juros na próxima reunião, para tentar evitar que a recessão seja longa, mas não está afastado o pior cenário: o de que novas ondas de volatilidade, como a de segunda-feira, ocorram, e aí o Fed terá usado todos os instrumentos. A queda forte da taxa de juros é um poderoso instrumento, mas o risco é de, de repente, se usar o arcabouço possível e a desconfiança continuar - argumenta Ilan. José Roberto acha que a queda violenta que houve em todas as bolsas na segunda-feira, em grande parte recuperada ontem, mostra que o mercado vê a situação "mais cinzenta" do que está, por causa dos enormes prejuízos. Admite, no entanto, que não caíram todas as fichas ainda, e que agora começa uma nova onda de dificuldades nas seguradoras. - As seguradoras deram garantia de US$2 trilhões de bônus municipais. Agora estão sendo rebaixadas, e isso significa que os títulos municipais também serão rebaixados. A inadimplência normal vai subir; outras empresas não vão conseguir renovar seus créditos porque as condições são mais difíceis. Ainda há muita notícia ruim para sair na economia americana. O cálculo é de que o rombo das subprime ficou em US$400 bilhões mas, até agora, só US$130 bilhões estão reconhecidos como prejuízo no balanço dos bancos - diz José Roberto. Ou seja, até quem não quer ver o mundo de forma excessivamente cinzenta, sabe que há muito cinza pela frente. Ele não nega que haverá uma "forte desaceleração ou uma recessão da qual não se sabe o tamanho" na economia americana, mas acha que o mercado financeiro confundiu a contaminação dos mercados, com o fim da tese do decoupling (o descolamento entre as economias). - Está havendo um ajuste na bolsa americana e, por tabela, em todas as outras, mas isso não quer dizer que o decoupling naufragou. O crescimento econômico está mantido na Ásia; muito investimento lá depende apenas de decisão doméstica. Um país como a China resiste bem; um país como o Vietnã, que é muito exportador, sente mais a crise americana. Nós não estamos assistindo a um desmonte do crescimento mundial - defende José Roberto. Na visão de Ilan, dificilmente uma grave recessão americana não afetaria o mundo inteiro, mas ele acha que, no Brasil, num primeiro momento, vai apenas reduzir o nível de atividade: - Esperava-se que este ano fosse um ano maravilhoso, e vai ser um ano cheio de dificuldades. Uma recessão americana longa e profunda nos afeta em vários pontos: serão menos exportações; menos demanda; os preços das commodities caem; o câmbio se deprecia. José Roberto acredita que o petróleo vai cair, mas não muito, mesmo num cenário de recessão. - Há outros pontos de demanda para o petróleo. No ano passado, o consumo chinês cresceu em 400 mil barris; o dos Estados Unidos, em 300 mil barris. Nos países da Opep, asiáticos que estão investindo internamente, como Arábia Saudita e Emirados Árabes, o consumo cresceu o mesmo que nos EUA: 300 mil barris. Ele acha que o biocombustível e a continuação do aumento da demanda por alimento manterão em alta as commodities agrícolas. São estas questões que estão em discussão entre os economistas. O tamanho da recessão americana: poucos acham que ela não ocorrerá. A capacidade de a economia mundial ficar em pé no contexto de uma recessão americana. No fundo, todos sabem que uma retração rápida permitirá que o mundo continue a crescer; já uma crise prolongada, inevitavelmente, afetará a todos. E, sinceramente, ninguém sabe a duração desta crise. Nem mesmo o Fed, que decidiu usar sua principal arma contra ela, mas sabe que, se seu principal inimigo - a inflação - aparecer, terá que elevar de novo os juros; seja qual for o preço em termos de nível de atividade. Estes dois pontos - recessão e inflação -, quando se juntam, criam o pior dos dilemas para os bancos centrais. |