Artigo - Marcos Sá Corrêa |
O Estado de S. Paulo |
23/1/2008 |
A ministra Marina Silva entrou em rota de colisão com Charles Darwin. Em vez de discutir projetos de aceleração do crescimento e outras idéias mirabolantes do governo para a Amazônia, resolveu encarar um urgente debate do século 19. E, com seu jeito suave de dizer coisas radicais, falou neste mês no Simpósio Criacionismo e Mídia, da Igreja Adventista, defendendo um programa de “educação plural” que trate o evolucionismo como apenas “mais um olhar” sobre a história natural. Ela gostaria de fertilizar o conhecimento humano pela “multiplicidade de olhares”, o que é um bom motivo para achar que o País deu sorte de não ter Marina Silva como ministra da Educação. No Meio Ambiente, as idéias não fazem a cabeça de bichos e plantas. O vírus da febre amarela, por exemplo, nunca precisou ler Darwin para achar que há uma afinidade estranha entre macacos e homens, ou não se especializaria em passar de um para o outro, desdenhando os parentescos mais distantes. No Ministério do Meio Ambiente, o perigo é de outra ordem. Evangélica, Marina Silva convenceu-se de que, até agora, os cristãos só levaram ao pé da letra o preceito bíblico que os convida a “dominar a terra e tudo o que nela há”. Está na hora, portanto, de assumirem sua vocação de ser “sal da terra e luz do mundo”, aplicando também as prescrições “muito detalhadas”, em que a Bíblia recomenda “não matar a ave que está no ninho com filhote” ou “não destruir a floresta” na hora de arrasar uma cidade. Como se vê, o olhar da ciência às vezes faz falta. O bestiário bíblico está cheio de animais “impuros”, como o crocodilo, a lebre e o morcego. Matar urso que atacava seu rebanho é a primeira prova da coragem de Davi. A raposa é símbolo de vilania. O gafanhoto, uma das oito pragas do Egito. O porco, da baixeza. A serpente, do mal. A codorna, a comida que cai do céu. O leopardo, segundo Jeremias, velava à porta da cidade, para devorar quem se arriscasse fora dos muros. Presume-se que essas classificações da fauna não estejam em vigor no Ministério do Meio Ambiente. Mas, nos Salmos, a águia é a ave que recobra as forças e a juventude quando tem suas penas arrancadas. E a ministra usou-a pelo menos uma vez, como metáfora de sua resistência às armadilhas do governo contra seu ministério. Ela não se demitiria por se sentir “como a águia, que tem de quebrar o bico na pedra, arrancar penas e unhas, para nascer nova unha, novo bico”. Foi gafe. No Brasil, não existem águias. Seu primo mais próximo é o gavião-real que, segundo o ornitólogo Helmut Sick, os caciques costumam manter em cativeiro no Xingu para cortar-lhes as penas, “de largura ímpar”, usadas na arte plumária. Esses gaviões se confundem com personificações de seus donos e, por isso, são “mortos quando ele morre”. Há riscos para um ministro do Meio Ambiente em usar a Bíblia como um tratado de ecologia. Se é isso o que anda pregando lá dentro o pastor Roberto Firmo Vieira, da Assembléia de Deus, pendurado num convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o melhor caminho diante da ministra para preservar sua fé é demiti-lo. * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br) |