O Estado de S. Paulo |
23/1/2008 |
Desde que o governo Luiz Inácio da Silva decidiu simplesmente ignorar a legislação que retira invasores e terras invadidas do programa de reforma agrária não se via uma agressão tão flagrante à lei como a agora levada a termo pelo Ministério da Previdência. Com a aprovação do ministro Luiz Marinho, a consultoria da pasta achou por bem assegurar aos trabalhadores em áreas ocupadas ilegalmente o direito de contar tempo para a aposentadoria rural. A Procuradoria Federal Especializada do INSS concorda, sob o argumento de que “a titularidade da terra é irrelevante”. Mas, a bem do bom senso e do respeito à Constituição, a Diretoria de Benefícios do INSS discorda e alega o óbvio: afronta ao direito de propriedade e abrigo a atividade ilegal sob o patrocínio do Estado. Por enquanto, porém, se não houver contestação judicial, a posição do ministro prevalece. Agora, quem invade terra não apenas pode continuar a invadir sem ser importunado, como tem direito a benefícios que muitos trabalhadores legais têm dificuldade para receber. É a benevolência do Estado em contraposição ao que o então ministro da Reforma Agrária, Miguel Rossetto, chamou de “autoritarismo de Estado” assim que, no primeiro mandato de Lula, assumiu perfeitamente autorizado a contrariar a legislação em vigor. Sem força no Congresso para derrubar a medida provisória editada no segundo governo Fernando Henrique Cardoso - depois de uma primeira gestão também toda dedicada a levar rasteiras e sustentar as ilegalidades do MST - retirando do programa de assentamentos os invasores e as áreas ocupadas, o novo governo achou mais fácil deixar a lei para lá. Resultado: aumentou a violência no campo e cresceram as invasões. Mais grave, os atos se banalizaram. O tempo passou, o governo manteve-se firme na decisão de ignorar os reclamos ante aquela aberração institucional e todo mundo se acostumou a conviver com uma entidade ilegal, mãe de filhotes igualmente fora da lei, e fica parecendo tudo muito normal, que a opção oficial estava certa só porque o MST não se transformou numa ameaça à paz na terra brasileira. Só que a ilegalidade persiste e, como se vê agora, recrudesce, amplia sua influência para outras áreas. Ao ponto de uma instância governamental (procuradoria é parte da administração pública) opinar pela irrelevância da titularidade da terra. Pode ser irrelevante no tocante às exigências para caracterizar o direito de um trabalhador rural à contagem do tempo de serviço para receber a aposentadoria. Mas é essencial no que tange ao respeito ao direito de propriedade e ao que a Diretoria de Benefícios do INSS muito apropriadamente definiu como “estímulo do Estado à ocupação de terras alheias”. Lotes Edison Lobão chegou ao ministério com a lição de casa sobre distribuição de cargos na ponta da língua. Tem na cabeça o mapa do loteamento, sabe como agir na maciota para driblar os fiscais de Dilma Rousseff - de preferência no futuro derrubando-os - sem bater muito de frente com ela. As querências estão muito bem delineadas. Agora, sobre a situação degradada do setor não se ouviu palavra. E por que a estranheza? Porque no início de 2007 o PMDB fez um acerto de adesão ao governo Lula dizendo que não estava atrás de cargos. Exigia redução de gastos correntes, reformas, renegociação de dívidas dos Estados, fortalecimento da Federação, ingerência nas ações de governo, crescimento e muita política social. Levou os cargos, se escorou naquilo que já era de interesse do governo e sobre os pontos ignorados (gastos, reformas, dívidas) deu o dito por esquecido. Pé no chão Com os reservatórios das usinas hidrelétricas abaixo da média dos últimos 30 anos, os especialistas no setor discordam da afirmação feita pelo presidente Lula de que “só haverá racionamento se não chover nunca mais”. Gente que entende afirma o seguinte: só não haverá algum tipo de corte ou campanha para redução de consumo se chover muito. Caso chova pouco, não haverá saída a não ser algum tipo de solução que não receberá, por causa do fantasma de 2001, o nome de racionamento. Mas resultará em cortes. Talvez não na energia elétrica, mas no gás é cada vez mais provável. De tutelas “Ninguém tutela o ministro, a não ser o presidente da República”, disse Lobão em sua posse, numa referência interpretada como reação à vigilância gerencial que Dilma Rousseff pretende manter na área. Na atual conjuntura, o ministro ressalvou Lula por pura formalidade. A indicação dele é sinal suficiente de que o PMDB, José Sarney, ou ambos, tutelam sim o presidente que, se não ceder, paga o preço no Congresso.
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