O Estado de S. Paulo |
23/1/2008 |
O que poderia ter sido uma terça-feira negra foi revertido pela ação inesperada e agressiva do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Depois de uma reunião extraordinária, derrubou os juros básicos em caráter emergencial em 0,75 ponto porcentual, para 3,5% ao ano. A reunião ordinária do Fed estava agendada para os próximos dias 29 e 30. As projeções do mercado eram de que, nessa data, os juros não cairiam mais do que meio ponto porcentual. Ao tomar a decisão que tomou, o Fed está passando um recado forte, com duas leituras. A primeira delas é a de que acabou a vacilação. Agora tem gente resoluta no comando das operações. E a segunda, de que na percepção das autoridades da área monetária as expectativas sobre o futuro da economia americana haviam se deteriorado a tal ponto que já não cabia mais tratamento homeopático. A decisão do Fed age imediatamente sobre a mente das pessoas e apenas a partir daí sobre a economia real. Há menos de uma semana, o presidente do Fed, Ben Bernanke, insistia em negar a recessão. Logo em seguida, a expectativa de paradeira se entranhou tão profundamente na cabeça das pessoas que passou a ter vida real. O jogo pode virar se os agentes do mercado se convencerem de que a economia já não está entregue ao deus-dará, como antes. Afora isso, mais dinheiro circulando nas veias da economia tende a desbloquear o crédito e a estimular o consumo. Isso pode ser insuficiente para reverter a tendência à paradeira, mas ainda há muita munição a ser usada em outras instâncias do governo. A derrubada dos juros não age sobre as causas da crise; apenas impede seu alastramento. Não está resolvido o problema mais grave, o da deterioração do mercado imobiliário. Dezenas de milhões de famílias americanas continuam pagando um financiamento habitacional desproporcionalmente mais alto do que o valor do imóvel, que continua caindo. Isso deve aumentar a inadimplência e, com ela, a execução das hipotecas que, por sua vez, deverá puxar ainda mais para baixo o valor do imóvel. Esse processo ainda não está interrompido e é preciso ver se o pacote fiscal em preparação no governo americano terá conserto para esse problema. Desta vez, o Fed elegeu como prioridade o combate à crise. Deixou a derrubada dos focos de inflação para quando a vida econômica voltar à normalidade. Efeito colateral também inevitável é a nova onda de desvalorização do dólar diante das outras moedas fortes, do ouro e das commodities. Os próximos passos do Fed vão depender da reação do mercado ao tratamento de choque iniciado ontem. Confira São dois os impactos principais da derrubada dos juros nos Estados Unidos sobre a economia brasileira. O primeiro deles é o forte aumento da diferença entre os juros básicos nos Estados Unidos e no Brasil. É provável que aumente o afluxo de capitais para cá a fim de aproveitar as taxas mais altas. Por tabela, isso poderá ajudar a valorizar o real e a conter a inflação. O outro é a recuperação dos preços das commodities, caso a recessão americana seja revertida. E commodities mais caras tendem a melhorar as exportações do Brasil. |