Folha de S.Paulo
RIO DE JANEIRO - Outro dia, uma querida cantora interrompeu seu show de bossa nova para se referir ao Rio dos anos 70 como a cidade "ainda maravilhosa", em que se podia andar "de olhos fechados". Em seguida, retomou o repertório cantando "Carta do Tom", em que Jobim dizia: "Rua Nascimento Silva, 107/ Eu saio correndo do pivete/ Tentando alcançar o elevador..." Uma canção dos anos 70.
Nessa época, já se via a década anterior, a de 60, como a dos "anos dourados", em que Ipanema, segundo Vinicius, "era só felicidade". Para o exigente Paulo Francis, no entanto, a decadência do Rio começara, olha só, em 1960. Bom era antes, até 1959, quando ele flanava por Copacabana com Antonio Maria e Ivan Lessa. Ali, sim, dizia Francis, o Rio era a Cidade Maravilhosa.
Mas, ao pesquisar material de 1955, quando morreu Carmen Miranda, li várias entrevistas de amigos de Carmen lembrando-se de que a tinham conhecido em 1930, "quando o Rio ainda era a Cidade Maravilhosa". Quer dizer que o Rio de 1955 não era mais a Cidade Maravilhosa, e sim o de 1930?
Ao recuar para 1930, vejo Di Cavalcanti, com 33 anos, queixando-se da "destruição do Rio", principalmente de Copacabana, pelos edifícios que começavam a ser construídos -justamente os palácios art déco que, um dia, iriam empolgar Paulo Francis. Para Di Cavalcanti, o Rio paradisíaco era o de sua juventude, cerca de 1915, com uma Copacabana ainda toda areal, pré-Copacabana Palace.
Será? Pois, em 1915, Lima Barreto estava esbravejando contra a superurbanização da cidade, o desmonte dos morros e a inocência perdida em 1904 com o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos. Bom era antes. E por aí vai. O carioca não se contenta nunca, e não é de hoje. Aliás, no tempo de Estácio de Sá, em 1565, o pessoal já reclamava à beça.