sexta-feira, dezembro 21, 2007

O PT reelege mensaleiros e aloprados

Aloprado e mensaleiros

Apesar dos casos de corrupção, petistas
reelegem a turma que jogou o partido na lama


Alexandre Oltramari

Sergio Dutti/AE
O deputado Ricardo Berzoini vai comandar o PT até 2009: crimes sem punição

VEJA TAMBÉM
Exclusivo on-line
Escândalos do governo Lula

Há pouco mais de um ano, um grupo de petistas se envolveu numa trama para montar um falso dossiê com acusações contra o então candidato ao governo de São Paulo José Serra. A turma arrecadou quase 2 milhões de reais de origem até hoje ignorada e usou o dinheiro para comprar um conjunto de documentos fajutos de um conhecido estelionatário. A operação foi comandada pelos mais íntimos colaboradores do coordenador do comitê de reeleição do presidente Lula, o deputado Ricardo Berzoini. Na semana passada, Berzoini foi reeleito presidente do PT. Vai comandar o partido até o fim de 2009 e pilotar a máquina que cuidará da sucessão do presidente Lula. Uma máquina que nos últimos anos mostrou imensa destreza em associar política, corrupção e táticas de evasão. Candidato de Lula, Berzoini representa a continuidade no poder do ex-ministro José Dirceu – que comanda o partido há duas décadas e é o grande timoneiro dos mensaleiros, a organização criminosa que saqueava os cofres públicos para sustentar financeiramente aliados e subornar deputados de outros partidos. É esse perfil que despreza a ética em nome do apreço pelo poder que vai comandar as ações do principal partido político do país.

"Temos de ter um retrovisor para olhar bem o passado, mas também olhar para a frente, senão desgovernamos o carro", disse o deputado Ricardo Berzoini, logo depois de confirmada a reeleição. A atual direção do PT, coman-dada por ele, não puniu nenhum dos cinco militantes flagrados produzindo o falso dossiê contra adversários. Não puniu nenhum dos quatro deputados mensaleiros, apesar de todos eles estarem respondendo a processo na Justiça. Entende-se das palavras do líder petista que a existência dos aloprados – como ficaram conhecidos os responsáveis pelo dossiê, inclusive o próprio Berzoini – e dos mensaleiros é coisa que pertence ao passado. Melhor, portanto, seria esquecê-los e deixar o "carro" seguir seu caminho. Na semana passada, a pedido do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, começaram a depor os principais envolvidos no escândalo do mensalão. Na condição de réus e acusados de um variado cardápio de crimes, como peculato, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, foram ouvidos os deputados José Genoíno, João Paulo Cunha e Paulo Rocha – ilustres passageiros do bonde da corrupção petista. Todos negam envolvimento no caso e culpam Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, escalado para o papel de bode expiatório recebendo a certeza da impunidade em troca do silêncio sobre as atividades dos comparsas.

Sergio Dutti/AE, Pablo Valadares/AE e Andre Dusek/AE

Os mensaleiros: os deputados Paulo Rocha, João Paulo Cunha e José Genoíno são réus em processo que apura crimes de peculato, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Eles se dizem inocentes e põem a culpa no tesoureiro

O retrovisor mostra que os deputados participaram do esquema clandestino, mas, ao que parece, olhar para trás, como ressaltou Berzoini, realmente não agrada aos petistas. Beneficiário de 920 000 reais do esquema de arrecadação e distribuição clandestina de dinheiro, o deputado Paulo Rocha achou estranho ser tratado como réu. "Sou deputado e não gosto de ser chamado de réu", disse ele, dedo em riste, ao ser indagado pelo procurador sobre as relações do partido com o empresário que repassou o dinheiro ao PT. A juíza Maria de Fátima de Paula Costa interveio: "O senhor não está na Câmara dos Deputados. Aqui o senhor é réu". E completou: "O senhor chegou aqui com uma carinha de coitadinho, de humildezinho que veio do Pará ou não sei lá de onde. Mas aqui o senhor não manda. Fique quieto e responda às perguntas". Paulo Rocha disse que desconhecia a origem do dinheiro. Depois do depoimento, Rocha foi com amigos a um bar de Brasília. Bem mais relaxado, o grupo pediu ao garçom uma garrafa de "Joaquim Barbosa". "Um black", explicou um dos assessores do deputado, esclarecendo que, na verdade, falava da marca de um uísque. Era uma humildezinha piada racista feita pela turma de coitadinhos do réu. O ministro Barbosa, o responsável pelo processo dos mensaleiros, é o primeiro ministro negro da história do STF e também um dos intelectualmente mais preparados que já vestiram aquela toga.

Olhando para a frente, como deseja o presidente petista reeleito, a principal preocupação do partido de Berzoini e companhia é encontrar um candidato capaz de disputar a sucessão de Lula com chance de vitória. Nos últimos tempos, os principais nomes do PT caíram em desgraça. O mensalão inviabilizou as pretensões do ex-ministro José Dirceu. A quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa fulminou o ex-ministro Antonio Palocci. A ministra do Turismo, Marta Suplicy, caiu em desgraça ao aconselhar os brasileiros a "relaxar e gozar" nas longas filas dos aeroportos durante o caos aéreo. Outra dificuldade do partido é que Lula tem se mostrado muito maior que o PT. Em todas as eleições que disputou, o presidente sempre teve mais votos que todos os seus correligionários somados. Com Lula fora da disputa, o PT acabou se tornando refém de sua própria história. "O PT é um partido de um líder só. Foi fundado pelo Lula, presidido pelo Lula e liderado pelo Lula. A força dele nunca permitiu o surgimento de outra liderança nacional", diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB). É exatamente a incerteza sobre a capacidade partidária de fazer o sucessor de Lula que tem levado dirigentes petistas a alimentar a delirante idéia de um terceiro mandato. O PT, sob o comando de Berzoini, pode até ter um retrovisor, mas as imagens que aparecem nele são desanimadoras e melancólicas.