sexta-feira, dezembro 21, 2007

A estranha morte de Ryan Gracie

O coquetel do dr. Sabino

Uma mistura explosiva pode ter matado o lutador
Ryan Gracie numa delegacia de São Paulo

Luca Atalla/Gracie Magazine
Ryan Gracie, durante um campeonato de vale-tudo: delírios persecutórios deflagrados pelo consumo de drogas
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Quadro: Combinação de risco


Na manhã do sábado 15, o lutador de jiu-jítsu e vale-tudo Ryan Gracie, de 33 anos, foi encontrado morto na cela de uma delegacia de São Paulo. Os laudos preliminares do Instituto Médico-Legal (IML) indicam que Ryan foi vítima de um quadro de hipoxia. Nessa situação, o nível de oxigenação do sangue cai drasticamente, os brônquios se contraem e o cérebro passa a receber menos oxigênio do que o necessário para funcionar adequadamente. Essa cascata de eventos pode resultar numa parada cardiorrespiratória. Ryan havia sido preso na tarde anterior pelo roubo de um carro e pela tentativa de roubo de uma motocicleta. Sob efeito de cocaína, maconha e tranqüilizante, ao ser detido, ele estava muito agitado, com delírios persecutórios. Para prestar-lhe atendimento médico, a família chamou o psiquiatra Sabino Ferreira de Farias Neto, dono de uma clínica para dependentes químicos, a Maxwell, no interior paulista. Por volta das 2 horas da madrugada, o doutor Sabino começou a administrar a Ryan um coquetel composto de dois antipsicóticos, um tranqüilizante, um anticonvulsivante e um antialérgico. Três horas depois, como a pressão do lutador continuava alta (17 por 10), o médico voltou à carga: deu-lhe mais um comprimido de tranqüilizante e outro de um anti-hipertensivo. "Meu objetivo não era fazê-lo dormir. Eu queria apenas acalmá-lo", diz o psiquiatra. Às 8 horas, Ryan estava morto.

Só com o exame necroscópico do IML será possível dizer o que levou o lutador à parada cardiorrespiratória. Há duas hipóteses para a morte de Ryan. A primeira é que ele tenha sofrido as conseqüências tardias da intoxicação pelo abuso de drogas, principalmente a cocaína .– substância que Ryan cheirou e injetou nas veias antes de ser preso. Mas isso é raro acontecer. A segunda possibilidade é que o lutador tenha sucumbido ao coquetel do doutor Sabino. Cinco psiquiatras, um cardiologista e uma farmacêutica especialista em interações medicamentosas ouvidos por VEJA são unânimes em afirmar que a combinação de remédios prescrita a Ryan é bastante perigosa. Todos os medicamentos, direta ou indiretamente, inibem o funcionamento do sistema nervoso central. Administrados conjuntamente, potencializam um a ação do outro. Além disso, o efeito depressor no sistema nervoso central desses remédios é reforçado pela presença de cocaína e maconha no organismo do paciente (veja o quadro). Tais medicamentos até podem ser usados isoladamente, ou em duplas, para o controle de surtos decorrentes do consumo de drogas, como era o caso de Ryan. O que chama atenção na conduta de Sabino, no entanto, é a associação de todos os medicamentos num coquetel.

Leandro Moraes/Folha Imagem
O doutor Sabino: "A senhora aceitaria um Dienpax?"


Outro dado intrigante é que Ryan deveria ter sido transferido para um hospital. Chamado pela mulher do lutador, Andrea Correa, o doutor Sabino apenas mencionou essa necessidade. Ele, contudo, não tomou nenhuma atitude nesse sentido. "Remédios como os que foram dados ao lutador só poderiam ter sido ministrados num ambiente hospitalar, com o paciente sob vigilância constante", diz o psiquiatra José Alberto Del Porto. O doutor Sabino diz que devolverá à família Gracie os 5 000 reais cobrados por ele para atender o lutador.

Ryan e o doutor Sabino se conheceram há cerca de um ano. A família do lutador procurou o médico na tentativa de convencer Ryan a se internar. Isso porque o seu consumo de drogas estava cada vez mais pesado e ele começara a ter delírios e alucinações. Mas Ryan recusou o tratamento. O psiquiatra só voltaria a encontrá-lo na delegacia. Neto de Carlos Gracie, um dos patriarcas do clã de lutadores de jiu-jítsu e vale-tudo, Ryan era conhecido como o "Demônio Gracie", não só por suas habilidades dentro dos ringues como também por sua facilidade de se envolver em brigas de rua. Aos 26 anos, Ryan foi acusado de esfaquear um rapaz durante uma discussão numa boate carioca. Só em São Paulo ele respondeu a oito processos criminais, a maioria por lesão corporal.

O doutor Sabino estava visivelmente transtornado quando recebeu a reportagem de VEJA. Para provar que os remédios prescritos não poderiam ter matado Ryan, ofereceu um deles, um tranqüilizante, à jornalista Adriana Dias Lopes: "A senhora aceitaria um Dienpax para ver o grande efeito que ele faz?" Diante da recusa, deu um comprimido à sua secretária particular, Adiene Mello. Ela o ingeriu. Um detalhe: durante a entrevista, o relógio de pulso do doutor Sabino estava sete horas atrasado e ele não se havia dado conta disso.