domingo, novembro 25, 2007

FERREIRA GULLAR Rumo à estação Lulândia


Faz muito tempo que os trabalhadores não fazem greves; a maioria nem vai aos sindicatos

PEÇO A VOCÊ, caro leitor, que tente, junto comigo, compreender o que mudou na relação entre sindicalismo e política, no Brasil, depois do golpe militar de 1964. Sei que alguma coisa mudou, mas gostaria de definir essa mudança, porque ela envolve a questão do poder político no país e suas conseqüências futuras.
Já, numa crônica anterior ("Um operário chega ao paraíso"), tratei desse assunto, mas acho que alguma coisa ficou por examinar e entender. Os cientistas políticos certamente já deslindaram o problema, mas é que eu, para bem entender as coisas, tenho que pensá-las à minha maneira, como se as descobrisse. E pode ser que, juntos, possamos ver mais claro esse fenômeno que, por coincidência, depois da crônica a que me referi, veio à tona em função de um projeto de lei, em discussão no Congresso, revogando o imposto sindical. E, veja você, as lideranças sindicais de hoje, que surgiram nos anos 70, combatendo esse imposto, agora o defendem ferozmente, a ponto de ameaçarem matar os parlamentares que votarem por sua revogação. Fica evidente que alguma coisa mudou, não é verdade?
O imposto sindical foi criado por Getúlio Vargas, quando ditador, em 1940, com o propósito de permitir o funcionamento de sindicatos-fantasma, que prescindiam da participação dos trabalhadores. Tais sindicatos eram manejados por pelegos, que mais serviam ao governo e aos patrões do que aos seus companheiros. Não obstante, a atuação do partido comunista e de lideranças independentes autênticas terminaram por minar o poder dos pelegos e mudar a correlação de forças na área sindical.
As reivindicações e as greves ganhavam peso, quando o golpe militar de 1964 interveio nos sindicatos, prendeu e eliminou as lideranças mais atuantes. Só nos anos 70 surgiriam novas lideranças, contrárias ao regime autoritário, dentre as quais se destacou a figura de Lula, e donde surgiria o Partido dos Trabalhadores. Esse novo sindicalismo não apenas se opunha à ditadura, como retomava as palavras de ordem do socialismo.
A diferença básica entre esse novo sindicalismo e o antigo estava em que suas lideranças nasceram ou da massa trabalhadora ou da militância de esquerda, sem nenhum vínculo com o empresariado ou o governo. Muito pelo contrário, caracterizou-se por sua oposição radical tanto a um quanto ao outro. E, mesmo depois de finda a ditadura, tendo o PT como seu representante político, esse radicalismo se manteve.
Mas qual é a situação hoje? Faz muito tempo que os trabalhadores não fazem greves. Greves só mesmo de funcionários públicos, que não correm risco nenhum ao fazê-las: não podem ser demitidos, não têm o ponto cortado e recebem o salário integral no fim do mês; por isso mesmo, as greves duram indefinidamente. O grevista, se quiser, pode até arrumar um bico e dobrar seu salário. A maioria do funcionalismo, que não freqüenta sindicato, apenas usufrui desse repouso remunerado.
Os dirigentes sindicais, por sua vez, também não fazem nada, a não ser zelar pelo funcionamento burocrático dos sindicatos, das federações e das confederações de trabalhadores, cuidando para que nada mude. Enquanto isso, fazem política em interesse próprio, se elegem deputados ou conseguem nomeação para cargos altamente remunerados em instituições oficiais que, como os sindicatos, vivem do imposto sindical ou de outros recursos advindos dos trabalhadores. Esses dirigentes -os neopelegos- são hoje homens ricos, têm casas de veraneio e carros importados. Pertencem à casta dominante. O governo e o empresariado, ao mesmo tempo em que os usam e os temem, mantêm com eles um acordo implícito, que convém a seus mútuos interesses, mas não aos trabalhadores e ao povo em geral.
Desse modo, temos uma classe trabalhadora, que sustenta as organizações sindicais sem delas participar e se dá por feliz de ter um emprego e a possibilidade de se aposentar no fim da vida. Abaixo dela, está a massa de desempregados, que vive dos programas sociais do governo e que é hoje o principal lastro eleitoral de Lula. Aproximadamente 40 milhões de pessoas.
Se se leva em conta o nível de desmoralização a que chegou o Congresso e o desgaste sofrido pelos partidos, não dá para encarar com otimismo o futuro político do país. A possibilidade de se atribuir a Lula o poder de convocar plebiscito, sem ouvir o Congresso, é uma ameaça real à democracia, especialmente depois de ter ele defendido, com ênfase, o direito dos governantes de se reelegerem indefinidamente.