O ex-governador Ronaldo Cunha Lima está sendo processado há 14 longos anos por ter atirado a sangue-frio, e em público, no seu maior adversário político na Paraíba, o também ex-governador Tarcísio Burity. A vítima sobreviveu e só veio a morrer dez anos depois, de uma doença qualquer. Cunha Lima, tucano, tem vivido tranqüilamente nesses anos todos. Disputa e vence eleições, ajudou a fazer o filho, Cássio, governador. Como se nada tivesse acontecido. Cunha Lima foi envelhecendo, e o caso foi subindo de instância em instância. Um dia, parou no Supremo Tribunal Federal, por força do tal "foro privilegiado" pelo qual os políticos são julgados por caminhos e descaminhos muito diferentes dos comuns mortais. Então, o que fez ontem o réu? Renunciou ao mandato de deputado federal. Com a maior cara-de-pau, alegou, 14 anos depois, que quer ser julgado como "um igual que sempre fui". Na verdade, com a renúncia à Câmara, toda a tramitação faz meia-volta e recomeça na Justiça comum da Paraíba. Mais quantos anos? Relator do processo no Supremo, Joaquim Barbosa (que acolheu a denúncia do mensalão) considerou tudo isso um "escárnio" e classificou o foro privilegiado como "perverso". "Este homem manobrou e usou de todas as chicanas, por 14 anos, para fugir do julgamento", disse, indignado. O ministro, porém, deveria usar o plural: "Estes homens...". Exemplos não faltam. Precisa citar? E o foro privilegiado é só um aspecto do escândalo, em que o mais grave são a impunidade e o sistema jurídico falido, que não é cego, surdo e mudo. Joga milhões de pobres na cadeia por nada, mas livra ricos e poderosos apesar de tudo. Tente você dar uns tiros a queima-roupa em alguém. Se você é pobre, está liqüidado. Se é da classe média, tem alguma chance. Se é rico e poderoso, não se apoquente. A Justiça livra sua cara. |