O Globo |
2/10/2007 |
Há muito tempo que, por falta de capacidade ou excesso de interesses do Congresso, a reforma política está sendo realizada pelo Poder Judiciário. É o que em politiquês chama-se de "judiciarização da política". Amanhã, o Supremo Tribunal Federal vai tomar uma decisão que terá tanta importância quanto a derrubada da cláusula de barreira, também decidida pelo STF, ou o fim da verticalização, definido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Duas decisões que, a meu ver, prejudicaram a atividade política. Desta vez, está nas mãos do Supremo confirmar uma interpretação do TSE que terá o dom imediato de organizar nossa vida partidária, colocando um basta neste troca-troca de legendas, vergonhoso hábito político que já vem de longe, mas que foi exacerbado no governo Lula. A base do primeiro governo Fernando Henrique era formada por cinco partidos que tinham 341 deputados, e chegou a 400 parlamentares em 1997. Os dois principais partidos, o PSDB e o então PFL, foram os que mais receberam adesões. No primeiro governo Lula, a cooptação chegou ao extremo: além da liberação de emendas parlamentares e cargos no governo, métodos utilizados pelos governos tradicionalmente, aconteceu o mensalão, com pagamentos para que deputados da base aliada votassem com o governo, fato que foi reconhecido como verdadeiro recentemente pelo Supremo Tribunal Federal. Quando, em abril deste ano, o TSE decidiu que os mandatos eleitorais pertencem aos partidos e não ao candidato, poderia já estar em prática uma revolução política no país, com a perda de mandato de todos os "infiéis". Mas, como entre nós nada se decide de maneira direta, quando os partidos "traídos", especialmente o PSDB e o DEM, mesmo já tendo se beneficiado desse troca-troca anteriormente, pediram de volta o que lhes pertencia, a decisão foi questionada e acabou sobrando para o Supremo validar ou não a decisão do TSE. Nesse ínterim, sem o menor pudor, o troca-troca continuou, e não há no mundo político quem acredite que os juízes do Supremo terão coragem de, mesmo convalidando a interpretação do TSE, decidir que ela tem valor retroativo. Por essa interpretação estrita, não se trataria de uma nova legislação, mas de uma lei que sempre determinou que os detentores de mandato eletivo têm que ser fiéis aos partidos pelos quais foram eleitos. Até a véspera da decisão do Supremo, as trocas de legenda estão acontecendo, especialmente em nível estadual e municipal, para uma recomposição de forças com vistas às eleições municipais de 2008. Essa atitude desassombrada indica que, na bolsa de apostas políticas, o máximo que se acredita é que se o Supremo confirmar a interpretação do TSE, a decisão só entrará em vigor a partir de amanhã, ou da data em que a decisão for publicada no Diário Oficial. Apesar das manifestações de espanto do ministro Marco Aurélio Mello, que nos últimos dias tem sugerido que a decisão do TSE, do qual faz parte com mais outros dois ministros do STF, será mantida, há antecedentes de pressões políticas que fizeram o Judiciário mudar decisões. Foi o caso da flexibilização da interpretação sobre a verticalização, que na verdade significou o seu fim. O TSE, que havia reafirmado o princípio da verticalização antes da eleição de 2006, recuou em conjunto depois que vários líderes partidários, entre eles os senadores José Sarney, Renan Calheiros e o falecido Antonio Carlos Magalhães, foram conversar com os juízes para mostrar-lhes "a gravidade" do que haviam decidido. Da mesma maneira que agora, o ministro Marco Aurélio de Mello anunciou na ocasião que a decisão do TSE "estava colocando ordem na bagunça partidária das coligações para as próximas eleições", chamando de "concubinato" as alianças fora das coligações nacionais. Depois de conversar com os líderes políticos, subitamente suas excelências se deram conta de que haviam votado de maneira errada na noite anterior. Uma outra decisão, desta vez do Supremo, também atingiu em cheio uma reforma eleitoral que entraria em vigor nas últimas eleições. Dez anos depois de terem sido introduzidas na Constituição, exatamente para que os partidos políticos se preparassem, as cláusulas de barreira foram eliminadas pelo STF por unanimidade, sob a alegação de que elas feriam o direitos dos pequenos partidos e impediam o pluralismo partidário. Uma interpretação absurda, já que os partidos não deixariam de existir, apenas não teriam representação no Congresso se não tivessem um número mínimo de votos, como acontece em vários países. Ao decidir que o mandato pertence ao partido, o TSE está se recuperando do caso da verticalização, e o Supremo, se confirmar a interpretação, poderá se recuperar da decisão sobre as cláusulas de barreira. A proibição de mudança de partidos, mesmo que seja somente a partir da decisão do Supremo, dará uma boa organizada ao quadro partidário, e os governos não terão mais como cooptar deputados isoladamente. A decisão, se confirmada, afetará imediatamente os planos do governo de conseguir aumentar sua bancada no Senado ainda a tempo de votar a CPMF. Os quatro ou cinco senadores do Democratas que estão na mira do governo perderiam a possibilidade de ir para partidos do governo. As negociações para a aprovação do imposto teriam que privilegiar os aspectos institucionais, o que já seria um bom avanço. |