domingo, outubro 28, 2007

Justiça Social Suely Caldas

Repete-se com freqüência que o Brasil é o campeão do mundo em desigualdades sociais e concentração de renda, mas pouco se explicam as razões. Segundo o IBGE, 10% dos brasileiros mais ricos se apropriam de 45% da renda do País, enquanto os 40% mais pobres ficam só com 9%. Já foi pior. Em 1984 quase metade da população brasileira (48,39%) vivia na pobreza, porcentual que caiu para 30,69% em 2005. A concentração de renda no Brasil é mais perversa porque boa parte dela está consagrada em leis, que viram direitos adquiridos e sagrados, mas hoje são privilégios que beneficiam minorias e punem a grande maioria excluída desses direitos.

Políticas de transferência de renda entre classes sociais obtêm resultados mais rápidos quando são focalizadas na parcela mais pobre da população e o dinheiro chega de forma direta, sem intermediação da ação corrupta da classe política. E como fazer isso?

O Estado pode, simplesmente, transferir dinheiro obtido com arrecadação de impostos - pagos por ricos e pobres - para famílias que vivem abaixo da linha de pobreza. O mais bem-sucedido exemplo é o programa Bolsa-Família que, além de focalizar o pobre, é pago diretamente em cartão magnético.

A distribuição de tributos pelas diferentes faixas de renda da população é poderoso instrumento de justiça social, quando taxa mais os impostos diretos aplicados sobre a renda do cidadão (ricos pagam mais Imposto de Renda do que os pobres) e menos os indiretos incidentes sobre produtos comprados por todos (pobres pagam mais IPI e ICMS do que ricos).

O governo deve estar sempre atento, fiscalizando e avaliando a qualidade dos gastos públicos na área social, de forma a garantir que beneficiem realmente os mais pobres e não sejam desviados para quem não precisa. Mas raramente acontece. Vejamos por quê.

Com exceção do Bolsa-Família, os demais programas sociais em que o Estado atua como repassador de verbas precisam passar por rigorosa revisão para se atualizarem ao século 21 e acompanharem as mudanças ocorridas nos últimos 50 anos. Criados pelo impulso trabalhista da era Vargas, esses programas até hoje têm por foco o trabalhador formal, seus direitos trabalhistas e suas corporações sindicais, que, por não terem se modernizado, têm representatividade cada vez menor e recebem cada vez maior parcela de dinheiro público para se sustentar. De olho neste dinheiro e protegidos pela legislação sindical que os livra de qualquer fiscalização, multiplicam-se sindicatos pelegos e fantasmas, cujos dirigentes se apropriam do Imposto Sindical e não dão satisfação a ninguém. Conhecedores dessa forma de arrancar fácil o dinheiro da viúva, o PT e seus sindicalistas já pregaram o fim do Imposto Sindical nos anos 80/90. Mas mudaram de idéia ao assumir o governo e o presidente Lula chegou a enviar projeto - recentemente rejeitado pela Câmara dos Deputados - que não só mantinha o Imposto Sindical, como incluía também as centrais (CUT, Força Sindical, CGT) na farra da distribuição do dinheiro do imposto. E olhe que as centrais já são contempladas com generosos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), para aplicar em educação e qualificação profissional (em duplicidade ao Sistema S !), e, por vezes, são desviados, como provam inúmeros casos revelados pelo Ministério do Trabalho.

À margem deste mundo protegido por leis perambulam 52% da população trabalhadora informal, os forçados fora-da-lei, sem férias, 13º salário, descanso remunerado nem sistema de previdência que lhes garanta aposentadoria na velhice. Para eles sobra a selvageria do mercado de trabalho informal. Nem sequer têm direito ao Seguro-Desemprego, concedido apenas ao trabalhador com carteira assinada que perdeu o emprego.

Aposentadorias milionárias, que beneficiam funcionários públicos bem remunerados, e um sistema de educação estatal, que privilegia o ensino universitário (onde estão os ricos) e escasseia verbas para o fundamental (onde estão os pobres) completam esse quadro de injustiça social e explicam por que o Brasil é campeão em desigualdades.

Por se apropriar de 37% da renda do País, é grande o poder distributivo do Estado. Mas os governos têm usado errado esse poder, privilegiando quem não precisa. Por isso faltam verbas para combater epidemias (dengue e até rubéola, já erradicada) e dar ao SUS eficiência e rapidez para atender a população carente, que hoje espera seis meses por uma consulta médica e três anos por uma cirurgia. E explica também o elevado déficit habitacional e a existência de quase 60% de habitações sem água e esgoto tratados.

*Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br