domingo, outubro 28, 2007

Celso Ming Mudar para não mudar

Em eleição de primeiro turno, a Argentina escolhe hoje o sucessor do presidente Néstor Kirchner.

O favoritismo da candidata do Partido Justicialista (peronista), Cristina Kirchner, reforçado pelas últimas pesquisas, indica que é baixa a probabilidade de que a política econômica da próxima administração sofra mudanças.

Assim como acontece com o Brasil, a economia argentina vem sendo favorecida pelas condições favoráveis do mercado internacional. Os preços das commodities agrícolas, em alta desde março de 1999, reforçam as exportações e as receitas do governo (veja o Entenda). A arrecadação do Imposto sobre Exportações (Retenciones) cresceu 28% nos nove primeiros meses deste ano ante igual período de 2006.

Nos últimos cinco anos, a economia argentina cresceu a uma taxa média de 8,7% ao ano. Em boa parte, esse excelente desempenho deveu-se à recuperação do terreno perdido pelo colapso do regime de conversibilidade (1 peso = 1 dólar). Entre 1999 e 2002, o PIB havia desabado quase 20%. Recuperou-se porque foram dispensados investimentos adicionais: bastou usar a capacidade não aproveitada durante a crise.

Mas também foi decorrência da generosa política de rendas, que aumentou o salário mínimo e as aposentadorias e, assim, garantiu o avanço do consumo. Em contrapartida, foi um dos responsáveis pelo salto da inflação.

Como explica o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires, o próximo governo vai enfrentar enormes desafios interligados.

O primeiro deles é garantir novos investimentos para aumentar a capacidade de produção. Embora seja 23% do PIB, a formação bruta de capital fixo (investimento) está concentrada na construção civil. Alguns setores-chave enfrentam esgotamento de capacidade produtiva, como o refino de petróleo (95,4% de uso) e a metalurgia básica (86,6%).

A falta de investimentos, por sua vez, tem a ver com outros dois problemas: inflação e política confiscatória de preços.

Já não há quem confie nos dados oficiais de inflação porque a metodologia do Indec, o organismo encarregado dos cálculos, está sob suspeita. Mas Dante Sica descarta as projeções alarmistas que apontam inflação real de 18% a 20% ao ano. Para ele, a inflação de fato gira em torno dos 13% ao ano, quatro pontos porcentuais acima da admitida pelo Indec.

Como a maior parte dos preços e salários é controlada e indexada à inflação passada, a quebra de rentabilidade, em conseqüência de reajustes baixos demais dos preços, desestimula o investimento.

Outro inibidor é o risco de colapso energético. A indústria está sujeita a apagões, especialmente nos momentos de pico de demanda. A produção de petróleo e gás está estancada nos níveis de 2004, sem que se saiba se se trata apenas de falta de investimento ou se é de esgotamento das disponibilidades geológicas.

Como a política econômica não vai mudar, não há como contar com a tão reclamada integração macroeconômica dentro do Mercosul. As políticas são muito diferentes.


Entenda

Garfada -
As exportações argentinas levam Imposto sobre Exportações (retención). Ele incide entre 35% e 40% sobre petróleo e derivados, 20% sobre as principais commodities agrícolas e 5% sobre os industrializados, inclusive veículos. Tem duas finalidades: deixar mais barato o produto no mercado interno e garantir receitas para a compra de dólares.

Sem reclamação - Ao contrário do que se imagina, o exportador argentino não se queixa de confisco porque sabe que, não fossem as compras do banco central, as cotações do dólar desabariam e suas receitas com exportação, também.