O Estado de S. Paulo |
26/10/2007 |
A oposição talvez não esteja disposta a rechear a empada do presidente em exercício do Senado, Tião Viana, e por essa razão resiste à sugestão feita por ele à Mesa Diretora da Casa, de expor na internet a contabilidade da verba de R$ 15 mil mensais, oficialmente destinada às despesas com os escritórios parlamentares nos Estados de origem de cada senador. Esta é a melhor das hipóteses. A mais provável, porém, está traduzida na frase do primeiro-secretário Efraim Morais, um “demo” convertido -“a medida expõe a Casa em demasia” -, na falta de interesse do líder do Democratas, José Agripino, e na declaração do líder do PSDB, Arthur Virgílio - “então vamos divulgar também os gastos com os cartões corporativos da Presidência da República” (a condição de oposicionista lhe confere prerrogativa inclusive de brigar por essa divulgação a qualquer tempo). Em resumo, os senadores querem dizer que preferem manter em sigilo o destino dos gastos. E, se não há vontade de divulgar dados sobre dinheiro com destinação certa, no mínimo autorizam a forte suspeição de que esteja sendo desviado para outros fins. Só o desejo de manter a destinação real como incerta e não sabida explica a resistência. A alegação do senador Efraim sobre a “demasia” da exposição mostra que atualmente o Senado não está em condições de atribuir à conduta do presidente licenciado, Renan Calheiros, a fonte de todos os seus males. Calheiros desocupou o lugar, como queriam os colegas teoricamente interessados em trabalhar pela recuperação da imagem do Senado, mas o colegiado continuou na toada da desmoralização, dispensando a presença dele para prosseguir se afundando. Não há como crer no intuito de recuperação de imagem quando, mal vira as costas aquele tido como a encarnação da falta de decoro, o Senado se põe a fazer toda sorte de acordos: para arquivar uma denúncia contra o senador tucano Eduardo Azeredo, para, em troca, amaciar o PSDB e suspender a tramitação de uma outra acusação contra Calheiros e, subjacente a isso, patrocinar um acerto para afrouxar o rigor no exame dos processos correntes contra ele e deixar tudo por isso mesmo, dando-se por satisfeito com a renúncia à presidência. Ao escolher a ocultação em detrimento da exposição de dados de resto devidos legalmente à sociedade que lhes paga as contas, o Senado ignora o óbvio: o que expõe a Casa não é a transparência, mas a falta dela. Caso a recusa da proposta de Tião Viana tenha tido objetivo colateral de não alimentar uma campanha para a presidência definitiva do Senado, é sinal de que o Senado não aprendeu nada nesses cinco meses de crise aguda, continua refém de uma vocação irresistível ao suicídio e totalmente incapaz de distinguir conveniência partidária de interesse público. Como dantes Se nas regras de funcionamento da Casa o Senado claudica e repete erros velhos, o mesmo ocorre em relação ao exame de indicados para funções cuja nomeação depende de aprovação da Casa. A crise aérea não acabou, Milton Zuanazzi resiste na presidência da Agência Nacional de Aviação Civil, ainda estão frescos na memória de todos os danos causados pela ligeireza do Senado na aprovação de diretores da agência e agora, mais uma vez, dois novos indicados foram aprovados em votações realizadas antes das sabatinas, nas quais apenas 4 dos 22 integrantes da Comissão de Infra-Estrutura fizeram perguntas. Ponta-cabeça O Brasil é tão desorganizado do ponto de vista orgânico que o maior partido de oposição virou base do governo (a “salvação da lavoura” da CMPF, no dizer do ministro Walfrido Mares Guia) e o nó a ser desatado para a aprovação do imposto está no aliado PMDB. Liturgia O entrevero do presidente do Democratas, Rodrigo Maia, com os ministros Walfrido Mares Guia e Nelson Jobim numa festa na casa do senador Demóstenes Torres foi bastante representativo da informalidade vigente em Brasília, onde já não causam espécie bate-bocas que extrapolam o debate jurídico entre ministros do Supremo Tribunal Federal em sessões de julgamento. Em tese, Rodrigo Maia não fez nada demais ao cobrar do governo, na festa representado por dois ministros, a imposição de um freio na prática da cooptação de senadores de seu partido. Errou na oportunidade e no cenário, inadequados a tratativas oficiais. Poderia fazer o mesmo em audiência ou correspondência formais. Mas os ministros Jobim e Mares Guia fizeram bem pior. O da Defesa desqualificou o deputado pelo fato de ser jovem (“guri”), e ainda o fez na base do palavrão (“de m....”), e o das Relações Institucionais gracejou (“quem pensa que é, professor de Deus?”), esquecendo-se de que o deputado é presidente de um partido com o qual deveria, por dever de ofício, manter relações institucionais. |