sábado, setembro 01, 2007

Os desafios que ainda valem a pena

O desafio ainda existe

Muitas façanhas do passado tornaram-se banais. Mas há quem se lance a projetos inéditos como forma de auto-superação


Rafael Corrêa

Gui Von Schmidt
O barco do velejador Roberto Pandiani cruza com uma geleira na Terra do Fogo: no local, só costumam trafegar grandes embarcações


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O velejador paulista Roberto Pandiani só vê graça em ganhar o mar quando se impõe desafios. Sempre a bordo de catamarãs, pequenos veleiros com 7 metros de comprimento e sem cabine, ele atravessou a Passagem de Drake, trecho traiçoeiro de mar entre a América do Sul e a Península Antártica. De outra feita, foi de Nova York à Groenlândia. No início do mês que vem, Pandiani embarca em sua maior aventura até hoje. Acompanhado do francês Igor Bely, amigo e também velejador, ele vai atravessar o Pacífico Sul entre o Chile e a Austrália, percorrendo 17 400 quilômetros. Será a sua primeira travessia de longa distância em mar aberto. Em alguns trechos da viagem, a dupla velejará vários dias e noites sem parar. Eles se revezarão à frente do leme a cada duas horas. À noite, enquanto um pilota, o outro dorme amarrado a um prolongamento do casco. É preciso força de vontade para encarar tantos dias no mar confinado num espaço de 16 metros quadrados, muitas vezes sob sol inclemente. Ao contrário do que ocorreu em suas viagens anteriores, desta vez Pandiani dispensou a chamada equipe de apoio – barco que costuma acompanhar velejadores aventureiros como ele a curta distância para o caso de uma eventual emergência. "Planejamos tudo à perfeição para não ter de enfrentar nenhum problema", diz Pandiani, de 50 anos.

Lailson Santos
Pandiani, Bely e o catamarã com o qual vão cruzar o Pacífico Sul: quinze dias sem paradas do litoral chileno à Ilha de Páscoa

Dispensar a equipe de apoio numa viagem marítima desse porte só é possível porque, hoje, as aventuras radicais contam com um enorme aparato tecnológico. O catamarã de Pandiani e Bely é dotado de um dispositivo rastreador que a cada três horas informa a posição do barco às bases navais situadas no Pacífico Sul. Os velejadores terão acesso à internet a qualquer momento, através de uma conexão por satélite, usando um laptop à prova d'água e resistente a choques. Também por meio da internet, Pandiani e Bely receberão regularmente boletins meteorológicos. Eventuais alertas sobre a proximidade de tempestades serão fornecidos com quatro dias de antecedência, o que permitirá aos velejadores traçar uma rota alternativa, mais segura. O catamarã contará com painéis solares que gerarão energia para manter o laptop, os rádios e outros aparelhos eletrônicos funcionando. Para se protegerem do sol, os velejadores utilizarão roupas especiais que agem como filtros solares, bloqueando os raios ultravioleta. "Não sou louco. Se posso usar a tecnologia para aumentar minha segurança, por que não fazê-lo?", indaga Pandiani.

AP
O alpinista Mark Inglis: próteses no lugar das pernas não o impediram de escalar o Everest


Tamanho aparato tecnológico sugere que, hoje, é cada vez mais raro empreender grandes feitos com o mesmo espírito de aventura de antigamente. Até há pouco tempo, atravessar o Pacífico num barquinho a vela, subir o Monte Everest ou explorar a Antártica eram missões extremamente arriscadas, às vezes suicidas, com uma aura romântica que desapareceu. O Everest se tornou destino turístico de excursões. Até um alpinista que usa próteses no lugar das pernas amputadas já o escalou como forma de desafio pessoal. A conseqüência disso é que aumentou de forma espetacular o número de pessoas que se dedicam às grandes aventuras e aos esportes radicais. Há também mais dinheiro por trás dos aventureiros. Disse a VEJA o neozelandês Douglas Booth, professor de história do esporte: "Em meados dos anos 90, as atividades radicais passaram a receber enormes injeções de dinheiro em forma de patrocínio de grandes empresas. Elas perceberam que esses esportistas despertam mais a curiosidade de uma grande fatia do público do que as corriqueiras partidas de futebol".

Mesmo a maior das aventuras até hoje empreendidas pelo homem, as viagens ao espaço, está prestes a se banalizar. Quando o cosmonauta Yuri Gagarin entrou em órbita e anunciou que a Terra é azul, o mundo ficou maravilhado. Hoje, um ricaço com 20 milhões de dólares sobrando na conta bancária pode reservar um lugar numa nave e passar férias na Estação Espacial Internacional. Em conseqüência da banalização das grandes aventuras, os esportistas hoje buscam agregar características inéditas a seus feitos para se diferenciar. Isso propiciou o surgimento, por exemplo, dos supermaratonistas, que correm 24 horas seguidas, sem parar nem para comer ou ir ao banheiro. Nos esportes náuticos, o velejador Amir Klink tornou-se o primeiro a cruzar o Atlântico Sul a remo. Ao escolher sua aventura, Roberto Pandiani segue a trilha dos aventureiros em busca de feitos únicos. Diz Amir Klink sobre o colega: "Cruzar o Pacífico Sul num pequeno catamarã sem cabine é como escalar o Everest calçando apenas sandálias Havaianas. Não é qualquer um que consegue essa proeza".






Fotos Peter Hendrie/Getty Images/Douglas Peebles
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