sábado, setembro 01, 2007

Encontradas as ossadas de dois filhos do último czar

Os dois últimos corpos.
Mas o enigma continua

Descoberta dos ossos de filhos do último czar
russo reforça nostalgia do passado imperial


Duda Teixeira

AFP
Ossos de Alexei e Maria: a família foi canonizada após a queda do comunismo

Noventa anos após a tomada de poder pelos bolcheviques, a Rússia parece, enfim, ter se reconciliado com o seu passado imperial. No mês passado, um grupo de arqueólogos anunciou a descoberta dos restos mortais de Alexei e de Maria Romanov, dois dos cinco filhos do último czar russo, Nicolau II. Quarenta e quatro fragmentos de ossos, sete dentes, três balas e um pedaço de roupa foram encontrados em escavações em Ekaterinburgo, na Sibéria, onde a família, um médico e três criados permaneceram em cativeiro até ser assassinados a tiros e a golpes de baioneta pelos comunistas, em 17 de julho de 1918. Os ossos passarão por testes de DNA e, se comprovada a sua autenticidade, serão sepultados na Catedral de São Pedro e São Paulo, em São Petersburgo, onde estão os restos do czar e dos demais membros da família. Os achados remetem ao banho de sangue que ocorreu em 1917, durante a Revolução Russa, e nos anos seguintes, quando os bolcheviques exterminaram tudo e todos que simbolizassem o antigo regime, incluindo donos de terras, nobres e membros do clero. A retórica dos comunistas era a de que eles estavam do lado do bem, e a nobreza representava o mal a ser extirpado. "Sete décadas de regime soviético, que incluíram períodos de grande atrocidade sob Lenin e Josef Stalin, fizeram com que os russos invertessem a balança entre bem e mal em sua história", disse a VEJA o historiador americano Mark Steinberg, autor do livro A Queda dos Romanov. O sofrimento da realeza russa em seus derradeiros dias é interpretado por muitos russos, hoje, como um sinal de virtude. De certa forma, a descoberta dos restos de Alexei e de Maria, os últimos que faltavam, fecha um ciclo na saga da família de mártires. Não resolve, contudo, o enigma histórico representado pelo governo do último czar e sua responsabilidade na criação do caos político e social que culminou com a ditadura comunista.

A vala com os ossos dos outros cinco membros da família do czar foi descoberta em 1976, ainda durante a era soviética, e permaneceu em segredo. O mistério sobre o destino dos corpos levou oportunistas a se proclamarem membros da família real que escaparam do massacre. O objetivo era pôr a mão na fortuna dos Romanov guardada em bancos suíços ou, simplesmente, ganhar notoriedade. Em 1991, ano em que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se desintegrou, os corpos foram finalmente exumados. Com a Rússia livre do ateísmo compulsório, a Igreja Ortodoxa prontamente reabilitou os Romanov, que foram canonizados em 2000 com o aval do presidente Vladimir Putin. Para os ortodoxos, a família merece o título pela piedade e religiosidade demonstradas nos últimos dias de cativeiro. O culto da memória do czar e sua família, hoje, também pode ser entendido no contexto do cunho nacionalista do governo Putin, que acaba por estimular a nostalgia por momentos gloriosos do passado. De Ivan, o Terrível, aos Romanov, a moda na Rússia é ressaltar os aspectos positivos de figuras históricas. Nicolau II, o czar anti-semita e autoritário que se considerava um representante de Deus na terra, agora é visto como um exemplo das virtudes de um poder forte e centralizador – o que vem bem a calhar para o autoritário Putin.

São fortes os indícios de que os ossos encontrados no mês passado pertencem aos filhos de Nicolau II. Os estudos feitos até agora confirmam que são de um rapaz de 10 a 13 anos e de uma mulher de 18 a 23 anos. Alexei, o príncipe herdeiro, tinha 13 anos na época, e sua irmã Maria, 19. Junto dos fragmentos também foram encontradas peças de cerâmica japonesas, usadas para carregar ácido sulfúrico. Segundo um antigo relato do bolchevique que enterrou os corpos, a substância foi utilizada para desfigurar os corpos e, assim, dificultar o reconhecimento pelo Exército Branco. Isso porque, nos cinco anos que se seguiram à revolução, tropas apoiadas pela França, pela Inglaterra e pelos Estados Unidos lutaram contra os comunistas. Em meio aos combates, Lenin deixou claro que os Romanov não poderiam permanecer como símbolos vivos do antigo regime. Em 1918, quando os brancos estavam a apenas 40 quilômetros do local de prisão da família real, Moscou deu ordem para executar a todos. Na madrugada do dia 17 de julho, os Romanov foram acordados e desceram para uma sala no porão. Nicolau levava o filho Alexei, hemofílico, nos braços. Doze homens armados entraram na sala e, durante quase três minutos, atiraram nos cativos. Algumas balas ricochetearam, porque as duquesas carregavam 8 quilos de diamantes e jóias preciosas nos espartilhos. Os guardas, então, recorreram às baionetas para acabar com os sobreviventes. Após enterrarem Alexei e Maria, os bolcheviques foram obrigados a escolher novo local para sepultar os outros corpos, pois tinham sido vistos por alguns camponeses. A descoberta das peças que faltavam na tragédia dos Romanov deve dar ainda mais força à mitificação de sua história.