domingo, setembro 23, 2007

Mailson da Nóbrega Quem estabilizou a economia


Para 67% dos brasileiros, Lula é o maior responsável pela estabilização da economia, segundo pesquisa Estado/Ipsos. Quem tem o mínimo de informação sabe que essa percepção é equivocada, mas é justo reconhecer que o presidente teve seu papel, pois evitou que a estabilidade fosse para o brejo. Não lhe faltaram, ademais, competência política para vender a idéia nem desfaçatez para se apropriar do esforço de outros.

A estabilização foi uma longa e difícil caminhada até o Plano Real, cuja engenhosa concepção contribuiu decisivamente para o êxito da empreitada. O plano se beneficiou ainda de condições melhores que as de seus antecessores: economia mais aberta, canais de importação funcionando e acesso a recursos externos.

De fato, as importações resolveram o problema maior dos anteriores planos de congelamento. A queda súbita da inflação estancava a corrosão da renda dos menos favorecidos, que iam às compras, ao mesmo tempo em que o crédito se expandia, gerando aumento adicional da demanda.

Não era possível elevar a oferta doméstica rapidamente nem se dispunha de condições macroeconômicas - particularmente fiscais - para reduzir muito a demanda. O desequilíbrio provocava escassez, as prateleiras se esvaziavam e surgiam pressões inflacionárias insuperáveis. A tentativa fracassava. As importações resolveram esse problema no Plano Real.

O plano também se beneficiou do aprendizado dos anteriores sobre troca de moeda, tratamento dos contratos e salários e normas para o sistema financeiro. A respectiva medida provisória repete vários dos artigos que compunham instrumentos legais semelhantes.

Seria, pois, um despropósito admitir que a estabilidade é obra do governo Lula, como pensa a maioria entretida pelo palavreado do presidente, cuja repetição exaustiva de idéias fixas convence os menos informados de que 'nunca antes na história deste País' certos eventos aconteceram. Mais, com a colaboração de economistas do PT e simpatizantes, vendeu-se a idéia de que Lula recebera uma 'herança maldita'.

Na verdade, esses economistas previram o fracasso do Plano Real e assim contribuíram para a derrota de Lula nas eleições de 1994. Na época, o PT atacou a política econômica que viabilizou a estabilidade. Até hoje não percebe, por razões ideológicas, o papel das privatizações na elevação do bem-estar. Na campanha de 2002 e durante o primeiro mandato de Lula, o partido lutou com fervor para mudar os rumos.

É por aí que se deve dar crédito a Lula. Na campanha de 2002, ele teve a coragem de apresentar a Carta ao Povo Brasileiro, na qual jogou fora a plataforma econômica do partido e sinalizou que, se eleito, manteria a gestão macroeconômica responsável de FHC. Uma vez no poder, convidou um banqueiro para presidir o Banco Central, reforçou a autonomia da instituição e ampliou o superávit primário. Se tivesse cedido às pressões do PT, teria fracassado em preservar a estabilidade econômica.

Parte da desconstrução do papel de FHC (apenas 7% crêem que ele contribuiu para a estabilidade) deve ser debitada ao PSDB. O partido não aprovou resoluções com críticas à política econômica, como o PT, mas não a apoiou abertamente. Os tucanos não viam com bons olhos o trabalho da equipe econômica nem foram entusiastas da venda de empresas estatais. O próprio FHC se diz hoje contra a autonomia operacional do BC e deixou claro, em entrevista à revista Piauí, que não acreditava na privatização, realizando-a por não ter alternativa, diante de pressões do mercado.

Lula manteve e melhorou a política econômica de seu antecessor, ainda que esteja criando problemas fiscais para os próximos governos (aí, sim, 'herança maldita'). O presidente colhe os frutos políticos dessa decisão e não se cansa de se creditar como fonte única dos êxitos. A estratégia tem funcionado, como se viu.