O Globo |
30/8/2007 |
O 3º Congresso Nacional do PT começa amanhã com um roteiro que não estava previsto. Os petistas estão tão desorientados que a senadora Ideli Salvatti chegou a levantar a hipótese de uma conspiração ter colocado tão próximos no calendário a reunião partidária e a decisão do Supremo Tribunal Federal que mandou para o banco dos réus toda a cúpula petista, base política do primeiro mandato do presidente Lula. A idéia da conspiração, embora muito presente na lógica petista, só se sustenta porque a decisão do STF foi contrária a seus dirigentes. Ao contrário, já estava sendo armada uma grande montagem política para que o ainda hoje homem-forte do PT, o ex-ministro José Dirceu, chegasse nos braços da militância para o congresso caso fossem rejeitadas pelo Supremo as denúncias contra ele, de corrupção ativa e chefe de quadrilha. A coincidência seria, então, politicamente conveniente para os planos de Dirceu de dar início a uma campanha a favor de sua anistia política, com base na qual os petistas ganhariam fôlego novo para as campanhas eleitorais que enfrentarão até 2010 sem o seu principal, diria mesmo único, líder político de peso nacional, o presidente Lula. Dirceu, "inocentado" pelo Supremo, seria esse símbolo político a reboque do qual o PT tentaria limpar sua imagem diante do eleitorado. Com a decisão histórica do STF de transformar em réus todos os 40 acusados pelo procurador-geral Antonio Fernando de Souza, o PT se debate entre fingir que nada aconteceu, a exemplo do próprio governo, ou discutir seu futuro tendo como pano de fundo não mais o passado glorioso que inventou como promessa de redenção para os seus seguidores, mas um passado manchado por suspeitas de atuação criminosa. Suspeita que não se limita aos delitos que começarão a serem julgados pelo STF em ação criminal inédita, pela abrangência dos casos e importância dos envolvidos, mas recuam a tempos muito anteriores, quando o PT começava sua escalada ao poder pelos municípios do interior do país, especialmente em São Paulo. Foi destes tempos que vieram as denúncias que inviabilizaram a permanência no governo do ministro da Fazenda Antonio Palocci, levado pelo passado a cometer delitos no presente, como a quebra do sigilo fiscal de um caseiro que denunciara sua presença constante em uma casa que reunia os fantasmas da República de Ribeirão Preto. Diz-se que a orientação vinda do próprio Lula é para que a decisão do Supremo não seja debatida no Congresso do PT, como se ela não fosse o fato político mais importante do momento, com repercussões futuras inegáveis, especialmente para o próprio PT. Lula não quer que o congresso petista se transforme numa sessão de autoflagelação, assim considerada a autocrítica que o grupo minoritário liderado pelo ministro da Justiça Tarso Genro considera imprescindível para a reabilitação do partido. Mas Lula também não quer que o Campo Majoritário, do qual sempre fez parte e que continua dominando o partido sob o comando forte do ex-ministro José Dirceu, transforme o congresso em ato de desagravo aos petistas transformados em réus pelo STF. Ontem, ele já avisou que não sairá em defesa de ninguém, o que, considerados os antecedentes, pode acontecer ou não. Lula já se disse traído pelos ancestrais dos aloprados, mas em outra ocasião exortou-os a abaixar a cabeça, pois não deviam nada a ninguém. Qualquer coisa pode acontecer, desde que beneficie seu projeto político próprio. O que Lula não quer mesmo é que o emocionalismo de um lado ou de outro inviabilize seu plano de fazer com que o PT aceite abrir mão de ter uma candidatura própria em 2010 para apoiar uma chapa consensual da base aliada. No momento, nada indica que o PT tenha capacidade política para sustentar isoladamente uma candidatura, e com o resultado do julgamento do STF fica mais difícil do que sempre foi imaginar-se um futuro politicamente promissor para um candidato petista à Presidência que não seja Lula. Como o presidente já jurou que não aceitaria disputar um terceiro mandato seguido, e, mais que isso, já tem feito movimentos em várias direções em busca de um candidato que possa vencer a eleição de 2010, é preciso raciocinar com base na normalidade constitucional atual. Embora seja prudente não deixar nunca de lado a possibilidade de que a situação política mude e Lula, de alguma maneira, possa vir a disputar um terceiro mandato seguido. Um defeito original da tese do candidato único é considerar que essa "base aliada" é leal ao governo Lula. Ao contrário, ela é leal a qualquer governo, já foi a mesma base de sustentação dos dois governos anteriores de Fernando Henrique e poderá vir a ser a mesma base do próximo governo, seja presidente Ciro Gomes, José Serra, Aécio Neves, Marta Suplicy, Fernando Collor ou qualquer outro que surja. Esse grupo político, quase todo ele envolvido no esquema do mensalão, vira para onde o vento sopra, e, sem Lula na disputa, se adaptará às circunstâncias que forem se apresentando. Portanto, o projeto de Lula, embora correto do seu ponto de vista político, provavelmente não resistirá à realidade, motivo pelo qual a "base aliada" dificilmente terá uma chapa única, a não ser que o candidato seja o próprio Lula. Mortalmente ferido pelo processo do mensalão, o PT está em uma encruzilhada: não quer abrir mão de indicar um candidato, mesmo porque sabe que o sucesso relativo na eleição do ano passado se deveu muito mais à presença de Lula do que à força própria do partido. Por isso mesmo, no entanto, como considera Lula, estará fraco politicamente para atuar isoladamente. |