Uma senhora de 94 anos, reclamando o corpo do filho que desapareceu em 1974, aos 24 anos, é de doer em qualquer coração. Foi o que ocorreu ontem, quando Elzita Santa Cruz pegou o microfone e pediu que, antes de morrer, lhe permitissem enterrar o filho. A cena, pujante, foi no Planalto, durante o lançamento do livro "Direito à Memória e à Verdade", documento oficial do governo acusando o regime militar por torturas e mortes de opositores. Lula prometeu que vai fazer tudo para devolver os corpos dos desaparecidos. A promessa vem do primeiro mandato, mas como encontrar corpos 30 anos depois, no meio de uma selva fechada e úmida? A solenidade, em que Lula falou em "busca de concórdia", reuniu familiares das vítimas, ministros do atual governo (inclusive vítimas da ditadura, como Dilma Rousseff) e tucanos que deflagraram, no governo FHC, o processo de reconhecimento de mortos e desaparecidos. Muitos choraram. Serviu, assim, para um raro momento de trégua entre as eras Lula e FHC e também para desviar o foco da decisão do Supremo Tribunal Federal de acatar a denúncia contra os agora 40 réus do mensalão. O governo Lula esteve ontem dividido em dois: um, no Planalto, confortando as famílias dos que caíram lutando contra a ditadura militar; o outro, no banco dos réus, com três ex-ministros processados, dois deles do "núcleo duro" original. Num mundo à parte, estiveram os militares, longe tanto da cerimônia do Planalto como das agruras de Dirceu, Gushiken, Anderson Adauto. Como observadores. Quem representou as Forças Armadas no lançamento foi o ministro da Defesa, Nelson Jobim -aliás, um elo concreto entre FHC e Lula. Ele deixou claro que não aceita manifestações de insubordinação por causa do livro: "Se houver, terá resposta", avisou. Solenidades passam, militares ficam. |