quarta-feira, agosto 29, 2007

ELIANE CANTANHÊDE Alma lavada


O governo Lula está definitivamente desmembrado em dois. Um é o próprio Lula, que continua intocável e com 48% de popularidade. O outro está no banco dos réus e dele fazem parte três ex-ministros (inclusive dois do "núcleo duro" original), junto com a antiga cúpula do PT, líderes dos partidos aliados, empresas públicas e bancos privados.

O Supremo Tribunal Federal acolheu a denúncia contra José Dirceu, agora réu em processos por corrupção ativa e por formação de quadrilha, e tudo o que ele fazia ou não fazia era na Casa Civil da Presidência, dentro do Palácio do Planalto, a passos do gabinete do presidente.

Enquanto ele era acusado no Supremo, Lula provava cajus, criticando o "erro histórico" cometido contra a deliciosa e saudável fruta nordestina. É como se dissesse: "Danem-se! Eu não tenho nada a ver com isso --o mensalão, o julgamento, o chefe da Casa Civil, o partido". Será que não tinha mesmo?

A decisão do Supremo, que acatou denúncias contra todos os 40 envolvidos e votou por unanimidade, foi surpreendente. Nem mesmo os experts na Alta Corte e nem mesmo os que convivem dentro dela previam uma decisão tão consolidada, inquestionável, mostrando que não se tratava apenas de "caixa dois", como queriam fazer crer o próprio Lula e os implicados, mas algo muito maior e mais grave, mais sistêmico, para comprar partidos e parlamentares.

Não há alegria. Não há satisfação. Fica uma imensa tristeza de ver o que foi a chegada do PT ao poder já contaminado pela fome de chegar e ficar, ficar para sempre, talvez.

Mas o resultado do tribunal tem também outro resultado, que o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do processo de Dirceu na Câmara, traduziu bem: "Estamos com a alma lavada". A opinião pública, que queria justiça, também está com a alma lavada. Havia indícios suficientes para acatar a denúncia, e a votação em bloco elimina qualquer margem de dúvida quanto a isso. Agora, é reunir as provas, analisar caso a caso, pessoa a pessoa, e julgar. Condenar uns, absolver outros.

Quem sai perdendo são os xiitas, que, na falta de elementos de defesa dos mensaleiros, atacaram sucessivamente a imprensa, os parlamentares das CPIs e do Conselho de Ética, a Polícia Federal, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Quem sobrou?

Será que eles vão dizer agora que o relator Joaquim Barbosa é da "elite branca e perversa" e que "não suporta ver um operário na Presidência da República"? Ou será que vão dizer que ele foi cooptado pelo "complô para derrubar Lula"?

Aliás, será que os xiitas vão tentar culpar o próprio Supremo Tribunal Federal, colocá-lo sob suspeição, como todos os outros que exigiam explicações e responsabilidades? Que não se conformavam com o simples e inadmissível dogma de que, se é o PT, se é Dirceu e se é Lula, ninguém pode falar nada nem cobrar nada. Sob o risco de o mundo cair sobre sua cabeça.

A decisão do Supremo é histórica e cria a sensação de que, enfim, pelo menos neste momento, "todos são iguais perante a lei". E que estão em maus lençóis os que integravam um amplo esquema que misturava o público, o privado e partidos governistas para eternizar um grupo político no poder.

Imagine você se nada tivesse acontecido, se nada tivesse sido denunciado. Estariam todos lá até hoje, e a "quadrilha" nadando em dinheiro e em poder, sabe-se lá por quanto tempo para para fazer sabe-se lá o que com o país.