domingo, agosto 26, 2007

DORA KRAMER O foro não deu privilégio

Dê no que der, demore o tempo que demorar, prescrevam os crimes que tiverem de ser prescritos, salve-se quem puder, os três primeiros dias de análise pelo Supremo Tribunal Federal da denúncia oferecida pelo procurador-geral da República contra os acusados no escândalo do mensalão já cumpriram importante função na defesa do Estado Democrático.

O Poder Judiciário declarou esgotada sua capacidade de contemporizar com malfeitorias de agentes públicos na manipulação do dinheiro idem.

Deu um sinal, na forma de ato exemplar, não apenas ao PT, não somente ao governo Lula, mas ao mundo político de um modo geral, que via no Supremo Tribunal Federal, notadamente em sua condição de foro privilegiado, um esconderijo seguro.

Até sexta-feira à noite o Supremo havia aceitado - de forma acachapante e incontestável - os argumentos do procurador Antonio Fernando de Souza no tocante à existência de indícios de que um esquema político-financeiro-publicitário se organizou nas entranhas do Estado com vistas a manter e fortalecer as estruturas dos atuais ocupantes do poder.

Sem deixar de observar os princípios jurídicos que norteiam esse tipo de questão, o STF surpreendeu ao não se deixar levar por tecnicalidades e, ao menos parcialmente, derrubar a tese de que a denúncia do procurador era obra de ficção, aceitando examinar o formidável quebra-cabeça montado pelo procurador-geral e habilmente redesenhado pelo ministro-relator, Joaquim Barbosa, sob a ótica do processo criminal.

Com isso, o Supremo disse a todos os partidos, todos os políticos, todos os agentes e autoridades públicas que se sentiam livres para cometer quaisquer barbaridades, confiantes de que sairiam impunes caso não aparecesse escritura lavrada em cartório para comprovar atos de corrupção, que não está mais disposto a dar guarida a práticas delituosas por mais tradicionais que sejam, por mais arraigadas que estejam no sistema político, eleitoral e partidário vigente.

Disse que a presunção de malfeitorias é suficiente para pôr gente grande no banco dos réus, fazer essa mesma gente ouvir o que não quer. Mandou também o seguinte recado: se quiserem fazer o que bem entendem, façam, mas não o farão ao abrigo liminar da Justiça.

Sem medo de exagerar no otimismo, nos três últimos dias da semana passada o Supremo Tribunal Federal deu uma espécie de basta naquilo que o ministro Marco Aurélio Mello chamou, em seu discurso de posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral no ano passado, de ''''rotina de desfaçatez e indignidade que parece não ter limites''''.

O posicionamento do STF não resolve as questões, não assegura uma viravolta nos procedimentos de elogio à impunidade, mas ajuda a sociedade a enxergar uma luz, porque põe no cenário, onde só se enxergava o perdão a despeito das evidências, a figura do castigo em seguida ao crime. O caminho é longo, mas está aberto.

Ainda que não sejam transformados em réus todos os acusados, ainda que os processados sejam todos absolvidos, ainda que a sentença leve anos para ser proferida, o Supremo já passou a quem de direito a mensagem: acabou a trégua, esgotou-se a paciência, o foro privilegiado não necessariamente é sinônimo de leniência, porque a sensação de desmantelo de parâmetros chegou a níveis insuportáveis.

Como se a Justiça dissesse: não se trata mais de constatar, com indignação, a que ponto chegamos, mas de puxar o freio da ladeira abaixo antes que se perca a noção sobre o ponto a que podemos chegar.

Tira-teima

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, enviou projeto à Assembléia Legislativa propondo a contratação definitiva de 98 mil servidores admitidos sem concurso entre 1990 e 2006.

Nada muito diferente, na essência, do trem da alegria dos 260 mil, pretendido pela Câmara dos Deputados no plano federal, mas esta não é a questão em pauta aqui.

O interessante, quando da votação desse projeto em Minas, será observar a firmeza - ou fraqueza - da maioria parlamentar do governador, que no início do mês derrubou um veto de Aécio a um artigo de lei que estendia o benefício do foro privilegiado na Justiça a 1.981 autoridades mineiras.

Antes do projeto eram apenas 5 as excelências contempladas.

O episódio levantou suspeita sobre os reais propósitos do governador que, estranhamente, não acionou o controle que exerce sobre a Assembléia de Minas para garantir a manutenção do veto.

Ficou parecendo que Aécio Neves jogou ao mesmo tempo para o palco e para a platéia: agradou suas excelências e deu uma satisfação à opinião pública.

Agora, na votação sobre a contratação dos funcionários, a dúvida ficará dirimida e saberemos se Aécio perdeu influência no Legislativo local ou se usou dessa influência para criar um fato político favorável.