Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 18, 2007

As alfinetadas de Dener em sua autobiografia

O príncipe das agulhas

Autobiografia relançada de Dener recupera a afetação
e as alfinetadas certeiras do primeiro estilista brasileiro


Laura Ming

José Antonio

Na década de 1960, não existiam estilistas. Eram costureiros, sujeitos considerados "afeminados" que não saíam de suas oficinas, cercados por agulhas e tesouras. Imagine-se então freqüentar – e aí vai outra expressão de época – a alta sociedade? Ou virar ídolo popular através de um programa de televisão? Com talento para a moda e vocação maior ainda para a autopromoção, Dener Pamplona de Abreu revirou todos os conceitos a respeito de homens que costuravam para mulheres. Paraense que migrou para o Rio de Janeiro mas fez carreira em São Paulo (porque "o Rio é a cidade mais simpática do mundo, e a mais bonita. Mas tem um problema: os cariocas não têm dinheiro"), ele criou para si mesmo uma biografia de aristocrata destronado e uma personalidade de sucesso garantido: o esnobe afetadíssimo, de língua ferina e raciocínio rápido que fala "o que os outros não têm coragem de dizer". O resultado, em geral hilariante, pode ser visto em Dener – O Luxo, autobiografia que ele escreveu em 1972, quando tinha 36 anos, e que a editora Cosac Naify relança nesta semana (veja trechos). "Ele foi o primeiro grande estilista brasileiro e estava sendo esquecido. Conhecer Dener é fundamental para a moda brasileira", diz Mariana Lonari, editora responsável pelo livro.

Exagerar, exagerar sempre era o lema de Dener, que explorava ao extremo a figura lânguida, de cabelos esvoaçantes e eterno biquinho – estilo imitado à risca por seu rival da época, o hoje deputado Clodovil Hernandes. "Na maior parte do tempo, ele usava calça e paletó pretos, camisa branca e sapatos com uma fita de gorgorão preto que mandava fazer. Tinha dezenas", conta o estilista José Gayegos, que foi seu assistente durante dois anos. Dentro do estilo dândi descontrolado, Dener usava camisas com jabôs imensos, enrolava-se em casacos de pele, não largava o cigarro (como era chique então) e jamais descia da pose. Venerava as senhoras das "famílias importantes" de São Paulo, cujo estilo de vida procurava reproduzir em escala radicalizada. Morava em um casarão alugado próximo ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo, servido por dez empregados. Acordava às 2 da tarde e sua primeira refeição consistia em ovo, iogurte e cerveja. Chegava ao ateliê às 4 e trabalhava até as 8. Ao encerrar o expediente, telefonava para o mordomo, Pierre (Pedro, no original), que fechava todas as cortinas da casa e acendia velas e abajures – Dener detestava luz no teto. À 1 da manhã, jantava; depois esticava, como se dizia na época, nas boates Ton Ton e Cave. Suas festas eram célebres. "Numa delas, quis pássaros exóticos na decoração. Como não encontrou, comprou pombas brancas, pintou-as com tinta a óleo e fez apliques de plumas. Morreram todas, menos uma", conta Gayegos.

Em 1965, para surpresa geral de quem via seu perfil desbragadamente gay nas revistas e na televisão (em especial num outro marco de época, o programa Flávio Cavalcanti), casou-se com Maria Stella Splendore, modelo – ou melhor, manequim – de apenas 16 anos, e com ela teve um casal de filhos. O casamento durou quatro anos. Hoje, Maria Stella e a filha, Maria Leopoldina, vivem em uma comunidade hare krishna no interior de São Paulo; o filho, Frederico Augusto, morreu aos 26 anos. Quando perguntavam sobre sua sexualidade, Dener dizia, vagamente, que gostava "de gente bonita". Na autobiografia, deixa entrever relacionamentos com homens, mas fala com especial carinho de Maria Stella, do quase casamento com outra jovem "de família rica" e da paixão por uma cantora de ópera. "Dener conversava sempre olhando nos olhos, era muito simpático, cativava todo mundo. Chegava e iluminava o ambiente", conta Silvia Neubern, prima de Maria Stella. "Dava para perceber que era bissexual, mas na época ninguém falava sobre isso abertamente. Era muito galanteador e muito autêntico", diz Eugênia Fleury, dona de uma marca de roupas com seu nome em São Paulo, que foi modelo de Dener.

No mundo da moda, sua presença foi uma revolução. Ao acompanhar, observar e procurar recriar o que se fazia em Paris, com capricho especial nos acabamentos, trouxe para o Brasil um requinte que as madames só conheciam nas roupas que importavam. Sobrenomes conhecidos e artistas famosas compravam suas criações e freqüentavam sua casa. Durante o breve e malfadado governo João Goulart, sua mulher, a bela Maria Teresa, praticamente só se vestiu de Dener. Na autobiografia, ele conta uma versão impagável do golpe de 1964, que não entende a princípio, imaginando que a "revolução" era uma apavorante vitória dos comunistas. Com o passar do tempo, Dener foi perdendo a mão, cansando a platéia, bebendo cada vez mais. Perdeu clientes, entrou em decadência. Morreu de cirrose aos 42 anos, sozinho e sem luxo.

J. Ferreira da Silva
Clodovil Hernandes


Inimigo alfinetado

"Milhares de pessoas (na chegada ao Recife) estavam gritando meu nome, puxando minha roupa, tentando roubar minhas abotoaduras Carven, e havia até uns tipinhos nanicos aproveitando meu aparecimento em público para copiar minha roupa. Deviam ser alfaiates do Clodovil."

Fora de série

"Muita gente que vê o meu sucesso de hoje pensa que eu conquistei tudo só com minha frescura, que realmente é fora de série, ou porque eu tenho coragem de dizer as coisas. Tudo isso ajudou, como eu vou contar adiante. Mas não teria chegado se não fossem os estudos e o trabalho."

Folha Imagem
Elisinha Moreira Salles


1964 ao contrário

"Eu fiquei no pânico mais desesperador. O que enxergava diante de mim era pior que o apocalipse. Alicia Scarpa, Elisinha Moreira Salles, todas de macacão azul colocando rótulo em pacotes de goiabada em alguma fábrica de subúrbio. Eu jamais produziria macacões azuis para fabricação em massa."



Ag. Globo
Maria Teresa


O casal Goulart

"Pelo que dizem, Jango fez muita coisa errada e sobretudo deixou que a pior gente do Brasil fizesse muita coisa. (Mas) não tenho uma palavra contra a família." "Eu fiz vestidos para Maria Teresa para todas as ocasiões. Para recepções, para casamentos, para funeral, para solenidades oficiais. Só não fiz um vestido para deposição."


Festa nada chique

"Eu lembro que havia uma enorme bacia de caviar e uma outra de queijinho partido (por aí vocês já viram) em uma mesa no meio da sala. Todo mundo ficava andando para ali, de palito na mão ou com minifacas, equilibrando caviar no pão. Para quem olhasse de longe, parecia a avenida São João, gente andando de um lado para outro. E a hostess destruindo um sensacional Balmain."

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Maria Stella Splendore


Maria Stella Splendore

"Deslumbrada comigo, minha mulher queria ser em mulher o que eu sou em homem, o que evidentemente não é possível."


O auge da fama

"Eu tenho meias com meu nome vendidas em Rondônia, por exemplo. Não é a glória?"

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