sábado, julho 28, 2007

Waldir Pires já critica o sucessor


Para ele, caos aéreo não vai ser resolvido "instantaneamente" nem com "frases de efeito", em referência a Jobim

Leonencio Nossa


Um dia depois de deixar o governo, o baiano Waldir Pires, de 80 anos, disse em entrevista ao Estado que "faltou um pouquinho de orixá" durante a gestão dele no Ministério da Defesa, período marcado pelos dois maiores acidentes da aviação brasileira. Num apartamento funcional com mobília incompleta, ele avaliou que o problema no setor aéreo não vai ser resolvido "instantaneamente" ou com declarações, pois se trata de uma questão de estrutura. "O perigo são as frases de efeito", afirmou, referindo-se à postura do novo ministro Nelson Jobim, que recebeu o cargo destacando a falta de comando e de ação na área. "O importante é o compromisso com a vida do nosso povo."

Pires classificou como "equívocos e problemas do improviso" as primeiras declarações de Jobim. "Todo mundo sabe que recebi do presidente Lula um ministério sem poderes", diz. Ele explica porque não rebateu de imediato as declarações do sucessor. "A vida me ensinou que não era para levar em conta as coisas postas equivocadamente." Ele acredita que enfrentou o preconceito dos que consideram incapazes pessoas na faixa dos 80 anos.

O ex-ministro deixa claro que não entregou o cargo - e nem entregaria, mesmo diante da "pressão gigantesca". "É claro que se pudesse, eu continuaria. Faria tudo outra vez." Em tom enigmático, Pires disse que os acidentes com os aviões da Gol, em setembro, e da TAM, no dia 17, devem servir como uma "advertência divina". "Quem sabe não faça acentuar no mundo político e da comunicação uma reflexão com mais responsabilidade sobre o que acontece no nosso País."

Ele nega que a gestão na Defesa tenha sido o período mais difícil na vida política. "Foi o mais triste", ressalta o ex-ministro, exilado nos anos da repressão e que, em 2005, perdeu a mulher Yolanda Pires. Ele completa dizendo que o momento é de "perplexidade" por tudo que ocorreu no setor aéreo.

Pires conta que recebeu a notícia do acidente em Congonhas logo depois de uma das melhores reuniões que teve com o presidente Lula no Palácio do Planalto. Eles discutiram um orçamento maior para as Forças Armadas e soluções para os problemas do setor. Quando chegou em casa, soube da tragédia. Voltou imediatamente para o Palácio.

"O problema de Congonhas vem de longo tempo e temos muitos Congonhas pelo mundo." O ex-ministro evitou críticas à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). E negou que este silêncio em relação ao órgão, que tem apadrinhados de José Dirceu e da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, seja uma forma de "lealdade" a Lula.

Ontem, nenhum ex-companheiro ou aliado político veio ao seu apartamento. O porteiro disse que o morador do 601 não faz caminhadas e não vai nem à banca de revista que fica na mesma quadra. "Sei que o novo ministro é linha dura", afirma. "Já o seu Waldir é tão bom que fizeram isso com ele."

Agora, sobra mais tempo para filhos e netos. Também vai ter tempo para lembrar de outras histórias de avião. Ele conta, com bom humor, sobre o vôo para o Uruguai com o ex-presidente João Goulart, logo depois do golpe de abril de 1964. Na ocasião, o piloto do monomotor fez um pouso de emergência em um pasto cheio de ovelhas por causa do mau tempo.

Pires, que assumiu o cargo no dia 31 de março de 2006, como substituto do vice-presidente José Alencar, reconhece outro vespeiro da pasta. Depois de 22 anos de governo civil, o Brasil ainda não sabe o que existe nos arquivos das Forças Armadas sobre o regime militar (1964-1985). "Trata-se de uma batalha cultural que precisa continuar."