sábado, julho 28, 2007

Degelo no Himalaia ameaça cinco países

Aquecimento nas alturas

O encolhimento das geleiras do Himalaia põe
em risco a população de cinco países da Ásia


Leoleli Camargo


Jon Arnold/Getty Image
Glaciar em Khumbu, no Nepal, e o lago alimentado pelo degelo: quebra do ciclo das geleiras pode causar enchentes seguidas de secas

A cordilheira do Himalaia, que se estende por 2.500 quilômetros em cinco países asiáticos, produz cartões-postais deslumbrantes com seus paredões de gelo e suas montanhas cobertas de neve, entre elas o Monte Everest, o mais alto do mundo. Para 1,3 bilhão de pessoas – um em cada seis habitantes do planeta – que vivem nas regiões próximas ao Himalaia, a cordilheira também representa garantia de água farta para abastecer cidades e irrigar plantações. Nas estações quentes, parte do gelo de seus 15.000 glaciares se derrete e corre para uma malha de pequenos afluentes de grandes rios, como o Ganges, na Índia, e o Yang-tsé, na China. No inverno, as nevascas repõem o gelo que se foi. Esse caprichoso ciclo das águas vem se alterando. Um relatório divulgado há um mês pelo Icimod, um centro de pesquisas dos países da região, em parceria com a ONU, mostra que os glaciares do Himalaia vêm encolhendo em velocidade acelerada – entre 10 e 60 metros por ano. Na China, 5,5% deles já desapareceram ao longo das últimas quatro décadas. O relatório se baseou em dados obtidos recentemente por satélite e em pesquisas feitas nos últimos quarenta anos. Calcula-se que grande parte dos glaciares do Himalaia poderá desaparecer até 2035. Como no caso dos glaciares do Alasca, dos Andes e de outras regiões do planeta, acredita-se que o culpado pelo fenômeno seja o aquecimento global. "A neve que cai durante o inverno não tem sido suficiente para repor o gelo que desapareceu no último século e, principalmente, nas décadas mais recentes", disse a VEJA o geólogo Richard Alley, da Universidade do Estado da Pensilvânia, nos EUA, especialista em glaciares.

Caso as geleiras do Himalaia continuem a encolher no ritmo atual, dois tipos de catástrofe poderão ocorrer. Primeiro, o grande volume de água que chegará aos grandes rios asiáticos causará inundações em série, muitas delas súbitas como um pequeno tsunami. Quando um glaciar se derrete, nem sempre a água corre diretamente para o rio mais próximo. Dependendo do relevo à sua volta, a água fica represada em gigantescos lagos. Se as margens desses lagos se rompem, em conseqüência de uma avalanche, por exemplo, as águas se espalham com violência e carregam tudo pelo caminho. Foi o que ocorreu em 1985, no Nepal, quando o colapso de um lago inundou o Vale Langmoche, matou vinte pessoas, destruiu uma usina hidrelétrica recém-construída, catorze pontes, trinta casas e vastas áreas de terra cultivada. Segundo o relatório do Icimod e da ONU, existem no mínimo 9.000 lagos glaciais espalhados pelos cinco países pelos quais se estende o Himalaia – China, Índia, Nepal, Butão e Paquistão. Num prazo mais longo, o desaparecimento dos glaciares do Himalaia e, conseqüentemente, das águas que descem das montanhas vai diminuir drasticamente o volume dos rios asiáticos, provocando secas. Cerca de 70% das águas do Rio Ganges vêm de afluentes alimentados pelos glaciares do Nepal. Uma queda drástica do nível do Ganges afetaria 37% do território cultivado da Índia e deixaria 500 milhões de habitantes expostos à falta d'água.

O estudo sobre os glaciares do Himalaia confirma a teoria dos cientistas de que o aquecimento global tem atingido as regiões mais elevadas do planeta com a mesma intensidade com que se abate sobre os pólos. Um exemplo disso é a diminuição da neve no topo do célebre Monte Kilimanjaro, na Tanzânia. Na semana passada, uma pesquisa divulgada pela agência meteorológica do governo do Tibete mostrou que a temperatura nas áreas mais altas da província vem subindo 0,3 grau a cada dez anos. Essa elevação é maior do que a verificada nas temperaturas médias da Terra, de 0,7 grau nos últimos 100 anos, e semelhante à dos pólos – entre 0,2 e 0,5 por década. "Seja no Himalaia, nos Andes ou na África, a temperatura sobe mais nos pontos mais altos do planeta", diz o glaciologista Lonnie Thompson, da Universidade do Estado de Ohio. Sabe-se que, no caso dos pólos, o aumento acelerado da temperatura se deve ao aquecimento das águas dos oceanos. No caso das altas montanhas do Tibete e do Himalaia, ocorreria fenômeno semelhante. O crescente calor emanado pelos oceanos alcançaria a troposfera, justamente onde se encontram os picos gelados. Pesquisas mostram também que as temperaturas sobem mais nos trechos mais altos das montanhas do que em sua base. É justamente esse fenômeno que torna o derretimento da cordilheira do Himalaia uma ameaça às populações que hoje se beneficiam de suas águas.

O MAR MAIS SUJO DO MUNDO

Berço da civilização ocidental, o Mar Mediterrâneo banha 21 países e abriga praias e enseadas paradisíacas que atraem nada menos que 200 milhões de turistas por ano. Uma pesquisa recente conduzida pela Universidade de Exeter, na Inglaterra, e pela entidade ambientalista Greenpeace mostra que o Mediterrâneo ostenta também uma credencial nada louvável – ele é o mais poluído dos mares do planeta. Para quem acha que jogar lixo na praia é coisa de Terceiro Mundo, uma surpresa: a sujeira mais visível do Mediterrâneo é justamente aquela produzida pelo turismo. O estudo calcula que todo ano 15 milhões de toneladas de detritos – principalmente garrafas e outras embalagens plásticas – são lançados nas areias e nas águas azuis das praias da Itália, da França e da Espanha. Cerca de 30% desses detritos permanecem visíveis na superfície e os demais 70% são responsáveis por um enorme estrago na fauna. Focas e tartarugas confundem os objetos plásticos com alimentos e os transformam em refeições fatais. Calcula-se que 50 000 focas morram por ano dessa forma, número dez vezes superior ao das que são capturadas por caçadores.

Com 46 000 quilômetros de costa densamente ocupados, o Mediterrâneo sofre também com 9 milhões de toneladas de resíduos industriais e domésticos não tratados que chegam a suas águas todo ano. Nas cidades litorâneas da Itália, apenas 63% da população está conectada a redes de tratamento de esgoto. Já a Grécia contribui com 70% da poluição por produtos químicos utilizados na agricultura, lançados em rios que deságuam no Mediterrâneo. Os 220 000 navios que fazem rota em suas águas despejam nelas anualmente 630 000 toneladas de petróleo, provenientes tanto de acidentes como de operações de carga e descarga.

Qualquer solução para tornar o Mediterrâneo menos poluído esbarra nas enormes diferenças econômicas e culturais dos países que ele banha. Uma legislação para evitar a poluição dos rios que nele deságuam, por exemplo, teria de ser aprovada por nações tão díspares quanto Líbia e França, Espanha e Argélia. A Unep, agência da ONU para questões ambientais, mantém um plano de ação para combater a sujeira no Mediterrâneo, mas encontra dificuldade em conseguir dados oficiais de diversos países sobre as atividades que geram poluição. Enquanto o plano não avança, torce-se para que os turistas façam sua parte.

A cada ano, as águas do Mediterrâneo recebem:

9 milhões de toneladas de resíduos industriais e domésticos não tratados, 60% produzidos por França, Itália e Espanha

15 milhões de toneladas de detritos produzidos por 200 milhões de turistas que visitam suas praias

600 000 toneladas de petróleo derramadas por navios durante o movimento de carga e descarga e 30 000 toneladas perdidas em acidentes

• Redes de pesca e embalagens plásticas, responsáveis pela morte de 50 000 focas, que confundem esses objetos com alimentos

Chuva demais até para o clima inglês

Alessia Pierdomenico/Reuters
Enchente em Oxford: 60 centímetros de água na porta das casas

Entre as conseqüências previstas do aquecimento global estão o aumento de chuvas na Europa e a maior incidência de secas na África. Na semana passada, diante de violentos temporais que produziram as piores enchentes na Inglaterra em sessenta anos, o primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, levantou a suspeita de que as previsões dos climatologistas já se materializaram. Depois de um período atípico de tempestades em junho, uma seqüência de quatro dias de chuvas torrenciais iniciada na sexta-feira 20 elevou os níveis de três grandes rios na região sudoeste da Inglaterra e deixou nove cidades inundadas e em estado de calamidade. No condado de Gloucestershire, um dos mais atingidos, as estações de água e de energia elétrica foram tomadas pela água e entraram em pane. Resultado: 350 000 pessoas ficaram sem água potável e mais de 40 000 casas, sem luz. Em Oxford, cidade que abriga a universidade mais célebre e antiga do país, a água alcançou 60 centímetros de altura na porta das casas. Em muitos municípios, o cenário era de guerra. Centenas de pessoas formavam longas filas em estacionamentos de supermercados para buscar porções racionadas de água. Os prejuízos em todo o país são estimados em 4 bilhões de dólares.

Diversos fatores contribuíram para as enchentes. O primeiro foi a quantidade excepcional de chuva que caiu num período muito curto. As estruturas de escoamento das cidades atingidas não deram conta do enorme volume de água. Em muitos bairros de Londres, essas estruturas foram construídas no tempo da rainha Vitória, no século XIX, e sempre se constituíram num orgulho para a cidade por sua eficiência e solidez. Desta vez, porém, nem mesmo as tubulações vitorianas suportaram o volume de água. Diversas ruas e a estação de metrô Victoria ficaram alagadas. Segundo os especialistas, a enorme quantidade de lixo e gordura lançada pelos londrinos nas tubulações de esgoto ajudou a levar o sistema ao colapso.

A relação direta entre o aquecimento global e eventos tão extremos como os temporais na Inglaterra ainda é incerta. Um estudo publicado na revista Nature, na semana passada, mostrou que o nível de chuva em algumas partes do mundo, entre elas a Inglaterra, aumentou nos últimos oitenta anos por causa, em grande medida, da emissão de gases do efeito estufa. Mas o estudo não prova a ligação de episódios únicos e extremos com as alterações no clima do planeta. Os temporais nas cidades inglesas podem estar mais ligados a pequenas variações climáticas regionais, ainda difíceis de medir. Os ingleses são tão habituados à chuva quanto os brasileiros ao sol inclemente. No século XVIII, o escritor Samuel Johnson já observava um traço da personalidade de seu povo que persiste até hoje: "Quando dois ingleses se encontram, suas primeiras palavras versam sobre a possibilidade de chover". Mesmo com essa vasta experiência em tempo ruim, desta vez os ingleses foram surpreendidos.