quarta-feira, julho 25, 2007

AUGUSTO NUNES Maravilhas da fauna federal


"Ninguém bateu no ar, tá?", zangou-se Denise Abreu, diretora da Agência Nacional da Aviação Civil, no meio da entrevista concedida à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. "Então, o acidente não tem nada a ver com o número de vôos em Congonhas. Vocês estão confundindo. O acidente é o acidente. O sistema aéreo é o sistema aéreo".

Denise sempre se zanga quando confrontada com questões incômodas. Em outubro passado, dias depois da queda do Boeing da Gol na selva de Mato Grosso, perdeu a paciência com as perguntas de parentes que teimavam em enterrar seus mortos. "O avião caiu de 11 mil metros de altura", esbravejou. "Vocês são inteligentes. O que esperavam? Corpos?".

Em março, a advogada favorecida pelo amigo José Dirceu com o empregão na Anac mostrou que, por trás da irritadiça vocacional, há uma festeira das boas. Em todos os aeroportos, multidões amargavam a escala na estação do calvário imposta por controladores de vôo amotinados. Numa alegre noitada em Salvador, Denise fumava um charutão. Estava feliz.

Tão feliz quanto na quinta-feira passada, menos de dois dias depois da tragédia em Congonhas. Em São Paulo, famílias alcançadas pela dor que não passa conferiam listas macabras. Em Brasília, Denise conferia se a cor do vestido combinava com a medalha de honra que acabara de ganhar da Aeronáutica, "pelos bons serviços prestados à aviação civil".

"Estamos todos com o coração sangrando", juraria horas mais tarde o presidente Lula. Nem todos, ressalvara o meio sorriso da diretora da Anac. Além da medalha no peito, Denise tinha a alma em paz. Porque o acidente é o acidente e o sistema aéreo é o sistema aéreo, explicaria na inverossímil entrevista publicada no domingo. Nada a ver, tá? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, certo?

Não necessariamente: as coisas às vezes se confundem. Em princípio, por exemplo, um dirigente da Anac é um dirigente da Anac, um idiota é um idiota. A tentativa de desvincular o colapso aéreo do horror em Congonhas comprova que Denise é dirigente da Anac e é idiota também. Uma genuína idiota-do-cerrado.

Sejam fêmeas ou machos, não é difícil identificar os exemplares da subespécie que encontrou seu perfeito habitat no território administrado pelo Palácio do Planalto. Em público, idiotas-do-cerrado vivem prontos para a guerra. Em particular, comemoram até a desgraça alheia. Uma notícia ruim para os outros pode ser boa para o governo. E vale uma festa.

A fêmea Denise Abreu, depois de ter repreendido parentes de mortos insepultos, celebrou com baforadas o motim dos controladores. Era a prova de que o sistema aéreo vai bem. O problema estava nos salários dos sargentos, aviltados por governos anteriores. O macho Marco Aurélio Garcia, uma boca à espera de um dentista, saudou com o mais ultrajante top-top-top a descoberta do defeito mecânico no avião que explodiu. Era a prova de que o sistema aéreo vai bem. Se o culpado fora o piloto, o problema é da TAM, não do governo. Quanto aos parentes das vítimas, que se queixem à empresa. Ou aos governos anteriores. Ou ao bispo.

Os idiotas-do-cerrado são primos e parceiros dos cretinos fundamentais, instalados numa ala vizinha do zoológico federal. Ali se ouvem zurros de Milton Zuanazzi, uivos de José Carlos Pereira, miados de Waldir Pires ou gorjeios de Marta Suplicy. A cacofonia produzida pelo coro dos idiotas, dos cretinos e dos debochados é música pura para o dono do lugar.

Ajuda Lula a esquecer a vaia no Maracanã. Torna quase inaudível o barulho da explosão. E encobre os gemidos das famílias amputadas pela mais anunciada das tragédias.



25/ 07/ 2007