Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 09, 2007

VEJA Entrevista: Daniel Yergin


O Google da energia

O maior especialista em petróleo do mundo diz que,
por trás do discurso verde, os investidores querem
mesmo é achar a nova mina de ouro do setor energético


Gabriela Carelli

Fabiano Accorsi

"A energia virou uma fonte
de tensão entre os países como fazia muito tempo não se via.
A segurança é o grande desafio nessa área neste começo de século"

O economista americano Daniel Yergin, de 68 anos, é considerado a maior autoridade mundial em energia. Dono da Cera, uma empresa de consultoria e pesquisas do setor energético, ele é o número 1 na lista quando investidores, empresários e chefes de estado precisam de opiniões antes de tomar decisões estratégicas nessa área. Com formação acadêmica também em literatura, Yergin adquiriu fama ao publicar o livro O Prêmio: a Busca Épica por Petróleo, Dinheiro e Poder, com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer em 1992. Na semana passada, Yergin esteve no Brasil para participar de um encontro internacional em que se discutiram as chances do etanol no mercado mundial de combustíveis: "Em três anos, o etanol brasileiro vai virar um importante produto de exportação". Em sua passagem por São Paulo, Yergin recebeu VEJA para uma entrevista, interrompida duas vezes por seu celular. Do outro lado do mundo, assessores tentavam confirmar sua reunião com o presidente russo, Vladimir Putin, no dia seguinte.

Veja – A escassez de petróleo e a busca por novas fontes de energia são hoje preocupações globais. Como os governos devem agir diante dessas questões?
Yergin – Nos próximos vinte anos, a demanda crescente por energia e as conseqüências do aumento do consumo serão grandes desafios. Lidar com eles de forma adequada é essencial para evitar uma crise no abastecimento global. Hoje, porém, os principais riscos não estão no subsolo, mas na superfície. A maior ameaça é a volta do uso da energia como arma política em nome do nacionalismo. É o que chamamos de nacionalismo energético. Esse tipo de atitude desencadeou o embargo promovido pelos países árabes em 1973 e culminou na primeira crise do petróleo da segunda metade do século passado. Hoje, o governo russo controla quase toda a energia de seu país e a Europa é totalmente dependente do gás russo. Na América Latina, Venezuela e Bolívia nacionalizaram o petróleo e o gás. O Irã, o segundo maior produtor de petróleo do Oriente Médio, usa suas reservas para proteger seus interesses políticos. A energia virou uma fonte de tensão entre os países como fazia muito tempo não se via. Essa politização, aliada aos altos preços do gás e do petróleo, deixa o sistema altamente vulnerável. Isso é muito perigoso. Os países exportadores de petróleo e gás ficam em posição privilegiada.

Veja – No ano passado, o ex-vice-presidente americano Dick Cheney acusou a Rússia de utilizar suas reservas de gás e petróleo como "instrumentos de intimidação e chantagem". O uso da energia como arma política está se acirrando?
Yergin – Não acredito que a China e os Estados Unidos iniciem uma guerra por causa de energia. Também acho improvável que a posição privilegiada da Rússia como detentora de gás e petróleo provoque uma guerra com a Europa, muito menos uma nova Guerra Fria. Mas está em curso uma reorganização geopolítica. Os russos estão mais próximos dos chineses. Quais são as implicações futuras dessa aproximação? É difícil saber. Qualquer previsão seria especulação. O importante é estar atento ao fato de que há uma mudança no controle das matrizes energéticas e que essa alteração significa um risco. Por isso, é necessário despolitizar rapidamente a energia. A segurança é o grande desafio internacional do setor de energia neste início de século.

Veja – Como lidar com esse cenário de forma a evitar conflitos?
Yergin – A procura por fontes energéticas que sirvam de alternativa ao petróleo é hoje uma unanimidade entre os países. Essa é uma política correta, que tem contado com investimentos no setor de energia sem paralelo na história. O problema é que todas essas fontes alternativas custam caro e leva tempo para que sejam desenvolvidas e implementadas.

Veja – Se a segurança é a principal preocupação do setor energético, por que os investidores que apostam em projetos verdes preferem falar em salvar o planeta?
Yergin – Há certa dose de marketing no discurso dos investidores quando eles repetem os argumentos dos ambientalistas. Seria leviano negar que exista entre eles uma preocupação real com o aumento da temperatura da Terra e com a deterioração do ambiente. No fundo, porém, a preocupação com a segurança é a prioridade que os faz investir em novas formas de energia. É também por isso que o etanol desperta tanto interesse. A tecnologia para produzi-lo está pronta e ele já se provou economicamente viável para substituir, em parte, os combustíveis à base de petróleo.

Veja – O consumo de energia tende a aumentar de forma exponencial com o crescimento de países como a China e a Índia. Que efeitos terá esse aumento mundial da demanda por energia?
Yergin – Um estudo de nossa consultoria mostra que em 2030 o consumo de energia no mundo será 75% maior do que é hoje. A demanda por petróleo, por sua vez, será 50% maior. Os números são assombrosos e realmente preocupam. China e Índia precisarão de muito combustível para continuar no mesmo ritmo de crescimento econômico de hoje. O aumento de renda de suas populações, que saltam rapidamente da pobreza para a classe média, é outra agravante. Quanto maior o poder aquisitivo de uma população, maiores o número de automóveis nas ruas e o consumo geral de energia.

Veja – Especialistas afirmam que as reservas de petróleo poderão se esgotar em poucas décadas. Como o mundo enfrentará a escassez do mineral?
Yergin – Crises energéticas já foram anunciadas inúmeras vezes, assim como a morte do petróleo. Até agora, nada disso aconteceu. Mas o discurso fatalista persiste mesmo entre especialistas no assunto. Ignoram-se as conquistas que a tecnologia já proporcionou e ainda vai proporcionar futuramente. Novas tecnologias permitiram que os Estados Unidos dobrassem sua produção de energia desde a década de 70. Por que não a dobrariam nos próximos trinta anos? Em meu próximo livro, comento o programa brasileiro do etanol, também resultado de avanços tecnológicos notáveis. Nos anos 70, o Brasil tinha de importar quase todo o petróleo que consumia. Hoje, movido por avanços científicos, o país não só é auto-suficiente em petróleo como é pioneiro na sua exploração em águas profundas.

Veja – O petróleo não vai acabar?
Yergin – O petróleo não vai desaparecer. Ciclos de abundância e escassez se alternam ao longo da história. Já em 1880 alguém anunciou o fim do petróleo. O mesmo aconteceu ao fim das duas guerras mundiais. Nos anos 70, o esgotamento das reservas foi novamente dado como certo. A teoria do pico do petróleo, segundo a qual a produção atingirá o ápice em breve para depois declinar rapidamente, não se sustenta. Ao formular essa teoria, nos anos 50, o geólogo M. King Hubbert não poderia saber que, no futuro, a tecnologia iria permitir a exploração de poços de petróleo dados como esgotados. Nossos cálculos apontam um crescimento contínuo na produção de petróleo até 2030 e, depois disso, uma estabilização. Isso envolve o uso de petróleo não convencional, como o encontrado no Canadá na forma de areia betuminosa e o petróleo de águas profundas. De fato, não há uma profusão de novos poços no planeta. Mas as técnicas desenvolvidas recentemente permitem aos pesquisadores conhecer melhor os poços e aproveitar ao máximo sua capacidade. Os depósitos de petróleo não são infinitos, mas estamos longe de um colapso. Análises feitas em poços do mundo inteiro mostram que a capacidade de produção pode aumentar em até 25% na próxima década.

Veja – O carvão, um dos combustíveis fósseis mais usados no mundo, é altamente poluente. A dependência mundial do carvão é para sempre?
Yergin – O carvão é uma espécie de espinha dorsal da economia mundial, embora seja pouco relevante no Brasil. Mais de 40% da eletricidade consumida no planeta vem do carvão. Um exemplo concreto dos desafios que enfrentamos em relação aos combustíveis fósseis está na China. Hoje, duas novas usinas termelétricas a carvão são erguidas por semana em território chinês. O problema é que não há substituto para o carvão. Ainda existem grandes reservas do produto no mundo, e sua demanda só faz aumentar. A única forma de substituí-lo sem perdas para as economias é encontrar uma tecnologia para desenvolver o chamado "carvão limpo", uma forma de queimá-lo sem produzir tantos gases tóxicos.

Veja – As usinas nucleares não seriam uma alternativa ao carvão?
Yergin – Sim. As usinas nucleares são a melhor opção para produzir energia sem impactos negativos no aquecimento global. O problema é que elas ainda inspiram muito medo e não são bem-vistas pela opinião pública.

Veja – Que papel está reservado ao etanol na composição da matriz energética mundial?
Yergin – Nossa expectativa é que 20% da frota mundial de veículos em 2030 esteja sendo movida a biocombustíveis, entre os quais o etanol de cana, brasileiro, o etanol de milho, americano, e o biodiesel, cujo maior produtor mundial é a Alemanha.

Veja – Como o senhor vê as críticas segundo as quais a produção de etanol, a partir da cana-de-açúcar e do milho, poderá desequilibrar o setor agrícola dos países que a adotam, agravando o problema da fome nas nações pobres?
Yergin – Não posso afirmar que a produção de etanol provocará fome, como garantem alguns economistas, mas sem dúvida combinar os interesses de setores tão poderosos quanto o energético e o agrícola é algo muito complicado. Nos Estados Unidos, o uso do milho para a produção de combustível já está causando problemas. Ao transformarem em etanol boa parte dos grãos que produzem, os americanos podem desestabilizar setores de sua economia. A diminuição da oferta de milho no mercado já provocou o aumento de sua cotação em até 50% nas bolsas americanas. O aumento do preço da mercadoria é ótimo para os fazendeiros, porém ruim para o mercado em geral. Não é só o preço do milho que aumenta, mas o de todos os produtos que o utilizam, como cereais, refrigerantes e alimentos processados.

Veja – Há o risco de ocorrer o mesmo no Brasil com relação à cana-de-açúcar?
Yergin – Não. O caso brasileiro é diferente. O uso da cana para a fabricação de álcool não afeta diretamente a economia agrícola. A produtividade das plantações é alta e não é preciso sacrificar a oferta de alimentos a fim de produzir etanol.

Veja – Que vantagens o etanol brasileiro apresenta em relação aos demais biocombustíveis?
Yergin – O Brasil é hoje uma espécie de laboratório de uma mudança global no setor energético e precisa se dar conta disso. Não há concorrentes à altura do etanol brasileiro. Além de produzi-lo a um custo muito baixo, o país tem trinta anos de experiência em seu uso como combustível. Isso vale muito. Nos últimos dias, por estar no Brasil, recebi centenas de e-mails de empresários e investidores europeus e americanos interessados no programa brasileiro de etanol. Eles queriam saber das novidades no setor e das possibilidades reais de negócios. O Brasil está naquela situação especial de "a pessoa certa na hora certa". Se o governo brasileiro tomar as medidas necessárias, em três ou quatro anos o etanol da cana se tornará um importante produto no mercado mundial.

Veja – Americanos e europeus investem hoje em pesquisas para produzir etanol de celulose, feito com dejetos vegetais, restos de madeira e até capim. Isso representa uma ameaça à liderança brasileira na produção de etanol?
Yergin – Tudo dependerá de como o governo brasileiro vai se posicionar no mercado internacional com relação ao etanol. O mais importante agora é investir na diplomacia. O governo terá de usar sua credibilidade para construir alianças sólidas no campo dos combustíveis. O presidente Lula mostrou disposição para isso em sua recente viagem à Índia. Estimamos que, daqui a duas décadas, a América Latina produzirá 78% do biocombustível exportado para outros países. A maior parte desse volume será produzida no Brasil. Se a diplomacia brasileira for bem conduzida, nossas previsões vão se concretizar.

Veja – Investir em projetos ligados ao meio ambiente é a atual febre de Wall Street. O excesso de investimentos pode ser o início de uma bolha nos mesmos moldes da bolha da internet em 2000?
Yergin – Nunca se investiu tanto em energias alternativas quanto hoje. Há muito dinheiro em jogo e é impossível antecipar o que vai acontecer no mercado financeiro. Mas, sempre que o mercado mostra tamanha efervescência, uma mudança significativa está prestes a acontecer. Veja como a internet mudou a vida das pessoas, como transformou o mundo. Muita gente pode perder dinheiro na onda verde. Haverá decepções e corações partidos. Por enquanto, isso não é uma preocupação, e todos só pensam em descobrir o Google da energia.

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