sábado, junho 16, 2007

Roberto Pompeu de Toledo


Deputados: modo
de eleger

O projeto apresentado na Câmara era ruim,
mas o sistema de lista fechada não é

O problema da reação, na imprensa e no Congresso, contra o sistema de listas para a eleição de deputado é fazer crer que o sistema atual é melhor. O sistema atual, em que o eleitor vota num nome, proporciona:

• enormes gastos de campanha, cada candidato montando seu próprio comitê e respectivo esquema de arrecadação de fundos;

• impossível campanha no meio que mais interessa, que é a televisão, pois, dada a multidão de candidatos, nunca sobram mais que alguns segundos para cada um;

• difícil escolha, pelo eleitor, pelos mesmos motivos de os candidatos serem multidão e escassas as informações sobre eles;

• obscuridade, para o eleitor, de um sistema em que se vota num nome mas em primeiro lugar o voto é contado para o partido, de modo que um nome bem votado não estará entre os eleitos se o partido não tiver boa votação e, inversamente, um nome pouco votado se elegerá, em caso de boa votação do partido;

• incentivo às candidaturas do tipo folclórico, com a conseqüente eleição, no rastro de suas expressivas votações, de candidatos com poucos votos.

Há mundo afora duas formas básicas de eleger deputado: a majoritária e a proporcional. A majoritária, também chamada de distrital, é a que se dá entre um número reduzido de candidatos – um por partido –, num distrito com reduzido número de eleitores. Quem tem a maioria de votos leva. Sua adoção seria talvez a ideal, no Brasil, dadas as vantagens de (1) aproximar o eleitor do candidato; (2) diminuir os gastos de campanha; e (3) tornar o sistema tão compreensível quanto a eleição do prefeito ou do governador. Se há no Congresso dúvida ou má vontade com esse sistema, uma alternativa seria continuar com o proporcional, mas na variante da lista fechada. O sistema proporcional é o que distribui as cadeiras do Parlamento na proporção dos votos de cada partido. Tanto quanto o sistema majoritário privilegia a pessoa do candidato, o proporcional privilegia o partido. No Brasil e em outros poucos países, no entanto, adota-se o sistema proporcional, mas ao mesmo tempo o eleitor vota numa pessoa. Se o sistema é proporcional, mais coerentes com sua natureza e seus propósitos são os muitos países em que se vota no partido, não num candidato. O partido apresenta-se à eleição com uma lista de candidatos, escolhida em convenções partidárias. Se os votos no partido lhe dão direito a dez cadeiras do Parlamento, ocuparão essas cadeiras os candidatos que figurarem nos dez primeiros lugares na lista.

O argumento principal contra esse sistema é o de que dá excessivo poder às cúpulas partidárias, com quem ficaria a chave da elaboração das listas. Em primeiro lugar, as cúpulas já têm esse poder no sistema atual, tanto na escolha dos candidatos quanto ao privilegiar a campanha de um ou outro. Em segundo, não é em princípio mal ter cúpulas partidárias poderosas. Partidos fortes precisam de cúpulas fortes. O problema é ter cúpulas ruins, o que equivale a partidos ruins. Cabe ao eleitor derrotá-los. Não há sistema perfeito, assim como não há governo perfeito. O principal, na presente conjuntura brasileira, é que o sistema de lista fechada tem, sobre o atual, a vantagem de melhor se adequar a dois princípios que deveriam ser erigidos como regras de ouro, em cada passo da reforma política:

1. Enxugar os gastos de campanha. Os gastos antes pulverizados em milhares de candidatos seriam concentrados nos partidos. Não é que se vá liquidar com a corrupção, que, além de não ser liquidável, depende de outros fatores, a começar pela moral vigente no país, mas não há dúvida de que um forte incentivo a ela são as campanhas caras, em que a preocupação maior do candidato é se terá dinheiro para se eleger.

2. Tornar o processo eleitoral compreensível para o eleitor. Se o sistema proporcional foi feito para privilegiar os partidos, que isso fique claro de uma vez por todas fazendo com que se vote no partido. O compromisso com a democracia será tanto mais forte quanto se compreenderem seus mecanismos.

Nada do exposto acima significa que o projeto de lista fechada rebarbado pela Câmara na semana passada devesse ter sido aprovado. Tal projeto vinha eivado do costumeiro vício da malandragem nacional. Em primeiro lugar – malandragem suprema – determinava que os deputados atualmente eleitos ocupariam os primeiros lugares nas listas a ser apresentadas pelos partidos na próxima eleição. Com isso, esvaziava-se a instância da convenção partidária, o coração do funcionamento de um partido num sistema maduro. Em segundo lugar, o sistema era proposto sem a companhia de dois institutos indispensáveis a seu bom funcionamento: a fidelidade partidária e a cláusula de barreira. Não há como optar por um sistema que radicaliza a preeminência dos partidos enquanto não se coibir o troca-troca. Também não há como fortalecê-lo num ambiente em que os partidos se multiplicam sem freios.