sábado, junho 30, 2007

Revelados os crimes da CIA

Uma janela para o passado

O governo americano divulga arquivos com
detalhes sobre operações clandestinas da CIA


Duda Teixeira

Getty Images
Arquivo Jornal do Brasil
À esquerda , Fidel Castro em Nova York, após discurso na ONU, em 1960. Ao lado, no mesmo ano, João Goulart e Leonel Brizola

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Originais dos documentos da CIA

A CIA, agência de inteligência americana, planejou assassinar o cubano Fidel Castro, o primeiro-ministro da República do Congo Patrice Lumumba e o presidente socialista do Chile Salvador Allende. O serviço secreto dos Estados Unidos infiltrou espiões entre os hippies que protestavam contra a Guerra do Vietnã, treinou grupos paramilitares em outros países, testou drogas alucinógenas em militares americanos, submeteu estrangeiros a interrogatórios violentos e grampeou telefones de jornalistas. Tudo isso aconteceu nas décadas de 50, 60 e 70, durante a Guerra Fria. Muitos desses fatos já eram conhecidos pelos historiadores. O mérito de um novo pacote de documentos secretos da CIA divulgado pelo governo americano, na semana passada, está em dois pontos. Primeiro, o de acrescentar os detalhes que faltavam para entender como eram feitas as ações ilegais da agência de inteligência dos Estados Unidos. Segundo, o de comprovar um dos inúmeros benefícios da democracia americana: o direito de os cidadãos terem acesso a informações sigilosas do governo, depois de um período de quarentena. Em comparação, pouco ou nada foi oficialmente revelado pelo governo russo sobre os crimes cometidos por espiões e agentes soviéticos durante a Guerra Fria.

AP
O mafioso Roselli: ajuda para a CIA


Os documentos trazidos a público na semana passada são divididos em duas partes. A primeira contém 702 páginas com relatos de ações clandestinas da CIA entre 1959 e 1973. A segunda parte apresenta uma série de análises sobre o avanço do comunismo no mundo, incluindo o Brasil. O material é suficiente para fazer com que teóricos da conspiração como o cineasta Michael Moore e o lingüista Noam Chomsky, ambos americanos, se inflem de superioridade moral. Um dos textos detalha o desastrado plano para matar Fidel Castro em 1960, pouco mais de um ano depois da Revolução Cubana. Na falta de uma idéia melhor, os agentes da CIA entraram em contato com o mafioso Johnny Roselli, de Las Vegas. Roselli lhes apresentou Sam Gold, outro mafioso, que conhecia "a turma cubana". Sam por sua vez indicou Juan Orta, um funcionário cubano corrupto, para fazer o serviço. Após alguns acertos, a agência fabricou seis pílulas venenosas e as entregou a Orta. Depois de várias tentativas malsucedidas de colocar as pílulas na bebida ou na comida de Fidel, Orta desistiu. Outro cubano foi encarregado do trabalho, mas o plano foi cancelado com a fracassada invasão da Baía dos Porcos, em 1961, em mais um fiasco da CIA contra Fidel.

A espionagem e a conspiração acompanham a humanidade desde que a disputa pelo poder se tornou, digamos, mais organizada. No século V a.C., o chinês Sun Tzu, autor do mais antigo tratado de guerra, já dizia que o uso de espiões era fundamental para assassinar inimigos ou vencer uma batalha. A espionagem institucionalizada ganhou maior complexidade durante o reinado de Elizabeth I (1558-1603), na Inglaterra, que manteve uma rede de agentes em países estrangeiros recrutados entre os estudantes das universidades de Oxford e Cambridge. Todo país tem as próprias regras para os serviços de inteligência, mas não existem leis internacionais regulamentando o que os espiões podem ou não fazer. Segundo as leis americanas da década de 40, a CIA pode planejar e executar missões secretas apenas fora dos Estados Unidos.

A agência, no entanto, sempre desrespeitou a lei e interferiu em assuntos internos do país, como confirmam os arquivos abertos na semana passada. Entre os documentos há, por exemplo, um relatório interno de 1972 mostrando que a CIA espionava civis americanos. No texto, os funcionários da agência dizem que o músico inglês John Lennon financiou viagens do americano Rennie Davis, um dos principais ativistas da campanha contra a Guerra do Vietnã. Embora sob protestos, alguns agentes precisaram deixar o cabelo crescer para se misturar aos hippies que pediam a paz. Outro arquivo liberado na semana passada é útil para entender o contexto ideológico em que essas ações aconteceram. O documento, de 172 páginas, é intitulado A Luta Sino-soviética em Cuba e o Movimento Comunista Latino-americano e foi escrito em 1963 por analistas de inteligência da CIA. Na parte dedicada ao Brasil, surpreende que, ao menos no que se refere a compreender e avaliar os principais personagens da política brasileira, os agentes americanos eram mais eficientes do que em seus esforços para assassinar inimigos.

O COMPLÔ CONTRA FIDEL
"Roselli deixou claro que não queria dinheiro algum por sua participação e que acreditava que Sam também não. Nenhum desses indivíduos jamais foi pago com recursos da agência"

"Sam sugeriu que eles não usassem armas de fogo, mas que algum tipo de pílula potente poderia ser colocado na comida ou na bebida de Castro. Assim a operação seria muito mais eficiente"



DE OLHO NO BRASIL
"Presidente Goulart, um oportunista que ascendeu ao poder com a ajuda da esquerda e que, desde então, tenta aumentar seu poder pessoal fazendo concessões alternadamente para a direita e para a esquerda; Leonel Brizola, ex-governador de estado e agora deputado federal, que se tornou o principal demagogo antiamericano do Brasil"