sábado, junho 30, 2007

O muambeiro de 90 milhões de dólares

O muambeiro que
foi para o espaço

Preso pela Polícia Federal, Pedro Agrizzi ganhou
90 milhões de dólares com o contrabando de eletrônicos


Fábio Portela

Gazeta do Povo
Agrizzi e sua Nave (ao lado): a loja foi a base de lançamento do grupo que operava em quatro países e girava 250 milhões de dólares anuais

Na manhã da terça-feira 26, agentes da Polícia Federal bateram à porta da casa do empresário Pedro Agrizzi, situada em um condomínio de luxo em Foz do Iguaçu. Agrizzi não esperou para saber do que se tratava. Tentou escapar pulando o muro do quintal. No meio da escalada, os policiais o puxaram pelas calças. Agrizzi tinha bons motivos para fugir. Há quinze anos, ele morava de aluguel e trabalhava na paraguaia Ciudad del Este como balconista de uma loja de muamba. De empregado, passou a empresário desse setor. Acumulou desde então um patrimônio de 90 milhões de dólares em quatro países – Brasil, Paraguai, Estados Unidos e Taiwan. Aos 38 anos, ele é proprietário de casas, apartamentos, prédios comerciais, galpões, vinte empresas e contas bancárias, nas quais movimenta 250 milhões de dólares por ano. Uma investigação da Receita e da Polícia Federal mostra como Pedro Agrizzi – ou Peter Agrizzi, como prefere ser chamado – corrompeu, contrabandeou, fraudou e sonegou para construir essa fortuna.

Ainda como balconista, ele aplicava golpes com cartões de crédito na loja onde trabalhava. Desviava dinheiro dos clientes e patrões. Com isso, juntou capital para abrir o próprio negócio. Em 1993, inaugurou em Ciudad del Este a Nave Informática, nome que celebra sua paixão pelas viagens espaciais. Logo percebeu que a atividade de lojista não lhe permitiria enriquecer na velocidade pretendida. Afinal de contas, o ramo da muamba é concorrido no Paraguai. A Nave voou de lado até o fim dos anos 90, quando Agrizzi conheceu o chinês Don Shieh, representante da Asus, uma fábrica de placas de computador de Taiwan. Shieh exportava para os Estados Unidos e precisava de um canal de distribuição na América Latina – legal ou ilegal. Agrizzi se incumbiu da tarefa e passou a transportar os contêineres de Miami até o Paraguai, de onde os distribuía para o Brasil.

Acontece.com
O muambeiro e a mulher, Cleibimar, dão notebook a Zezé: festão em Miami

Nesse tempo, concluiu que, para ter sucesso nos Estados Unidos, precisava trocar de nome. Passou a se apresentar como Peter. Em 2001, alugou uma sala em Miami e montou uma empresa de trading, a Agrizzi Enterprises, cujo nome homenageia a nave do seriado Jornada nas Estrelas. No esquema de importação das placas Asus, subfaturava o valor das mercadorias e sonegava todos os impostos possíveis. Quando era flagrado pelas autoridades aduaneiras do Brasil ou do Paraguai, subornava os fiscais. Como ele não pagava impostos, as placas Asus eram vendidas no Brasil a um preço 40% mais baixo que o praticado no mercado. No primeiro ano, a Enterprises movimentou 4 milhões de dólares. Nos seguintes, seus lucros explodiram. Na condição de Peter, Agrizzi comprou um apartamento de alto padrão em Miami e um galpão com 10.000 metros quadrados para estocar a mercadoria asiática. Obteve até um green card, o visto de residência permanente naquele país. Alertadas pela Polícia Federal, autoridades americanas investigam como o documento foi concedido a um muambeiro.

No Paraguai, enquanto isso, a loja Nave decolou e passou a ocupar um prédio inteiro. A fachada do edifício foi remodelada na forma de sua logomarca, um ônibus espacial. Do outro lado do mundo, em Taiwan, Agrizzi expandiu sua rede de contatos. Passou a representar outras empresas de produtos eletrônicos, além da Asus. Vendia monitores, laptops, componentes de computador, pen drives, servidores, câmeras de foto e vídeo. Criou companhias fantasmas e montou um esquema de falsificação de embalagens para comercializar computadores e componentes taiwaneses como se eles tivessem sido fabricados no Brasil – beneficiando-se, assim, da isenção de impostos concedida a produtos nacionais. Seu sucesso no mundo empresarial foi tamanho que a comunidade dos brasileiros ricos que vivem em Miami lhe abriu as portas. A ascensão social chegou ao ápice no ano passado. Como parte dos festejos do aniversário de cinco anos da Enterprises, Agrizzi ajudou a patrocinar a turnê americana da dupla Zezé di Camargo e Luciano. Agradecidos, os músicos compareceram ao jantar de aniversário da empresa de Peter Agrizzi. Na ocasião, ele deu notebooks de presente aos cantores (olhem o contrabando aí, Zezé e Luciano).

Recentemente, Agrizzi se preparava para um novo salto empresarial. Comprou uma trading em Taiwan e se associava a uma fábrica de componentes eletrônicos quando foi preso. Dominaria, assim, toda a cadeia produtiva da muamba: da fabricação do produto na Ásia até a distribuição ao consumidor final no Brasil. Agrizzi chegou tão longe porque tinha o suporte de grandes empresários brasileiros. A Receita Federal partiu de uma premissa simples para chegar a essa conclusão: só 20% dos 250 milhões de dólares em contrabando que Agrizzi vendia anualmente chegavam ao varejo. O resto alimentava fábricas de computadores e alguns dos maiores atacadistas brasileiros. A polícia ainda não recolheu informações suficientes para indiciar essa gigantesca turma de receptadores. Mas, nos próximos meses, eles podem acompanhar a jornada de Peter Spock Agrizzi para as estrelas.