Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 03, 2007

O dr. Renan num boteco do Leblon

JOÃO UBALDO RIBEIRO

-Tu viu o Renan? — Renan, que Renan? Não tem nenhum jogador chamado Renan, tu deve estar fazendo confusão outra vez.

— E quem foi que falou em jogador? — Todo mundo está falando, tu não tá vendo aí o clima de jogo, neguinho de camisa do time, essa peça aí atrás, olha devagar que ela está com o macho dela, mas mulher é uma desgraça mesmo, não sei pra que ela tinha que vir aqui com esse shortinho e o escudo do time bem no meio da bunda, quer dizer, neguinho toma umas quatro, chega perto e pede para saudar o time ou dar um beijinho no escudo, o macho dela não gosta e aí já viu a confusão que dá, elas fazem isso de propósito.

Mulher... Na minha opinião, a mulher de hoje em dia, aliás, a mulher sempre, em toda a História...

— Mas tu é louco mesmo, hem cara? Eu te faço uma pergunta e tu primeiro vem com um jogo que não tem nada a ver e depois...

— Um jogo que não tem nada a ver? Ouvi bem? Tudo bem que tu é vascaíno e tem mesmo é que ficar no teu lugar, mas esse jogo...

— Eu não estou falando em jogo nenhum! E tu, que teu time fica empatando com o Botafogo e comemorando como se tivesse ganho a Copa dos Campeões? Sem essa de futebol, nós já combinamos que não vamos mais falar em futebol, pra não dar rolo novamente.

— Mas tu é que trouxe o papo, inventando um jogador aí que não tem, só se for nas divisões de base e, mesmo assim, não sei de nenhum Renan.

— Mas quem botou futebol na conversa foi você, eu não falei em nenhum Renan jogador de futebol, eu quero falar é no Renan Calheiros.

— Me situa aí, tou manjando que esse cara é manjado. Renan Calheiros, tou sabendo, ministro aí, uma coisa dessas. Eu vou lá imaginar que tu vem de papo de político no domingo, só pra azedar o chope, tu não é brasileiro, não? Eu não me envergonho de ser o brasileiro, o carioca típico, tudo bem, cidadania, obrigação, pagar imposto, votar etc. e tal, mas meu negócio é futebol e mulher, aliás mulher e futebol, aliás, nem sei. Mulher e futebol, cara, dá uma sacada, ela fica empinando essa escultura aí, cara, agora ela virou de lado, a mulher é um AirBus de última geração, olha devagar, tu tá perdendo.

— Cara, não é por nada, não, mas eu fico admirado da tua alienação. Tou falando do Renan Calheiros, Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, o Senado Federal! Tu não viu o pronunciamento dele no Senado? — Ah, eu sei qual foi, tu vem com coisa da semana passada, quem é que vai lembrar assim? Foi o cara que fez um discurso negando uma porrada de coisas, sim, claro, Renan Calheiros, presidente do Senado, claro, é que às vezes eu confundo. Eu vi. Almocei tarde, na casa de minha irmã, e meu cunhado botou no canal do Senado. Eu gostei, achei o cara bom. Você veja, com aquela cara, hem? Olhando assim, você jura que ele é ex-seminarista arrependido, mas ele é espadachim, tu viu? Por esses assim eu confesso que tenho admiração, o que ele não deve ter traçado de gente por aí, hem? Deu azar nessa, mas se saiu muito bem, eu achei que ele se saiu muito bem.

— Eu não achei, houve certas coisas que ele não provou.

— Não precisa, ele já se sacrificou, ele se crucificou.

Até em calvário ele falou. E de fato não é mole, não, o brasileiro compreende, a situação dele ficou muito chata. Já imaginou, o cara arruma um caso muito natural, sem compromisso, dá umas transadinhas normais e aí aparece esse pepino.

Atire a primeira pedra quem já pelo menos não tomou um susto com um negócio desses, é a coisa mais comum, o brasileiro compreende.

— Mas não era isso que queriam saber, queriam saber era de onde saíram certos dinheiros que ele passou, por que é que ele diz que o auxiliar de transa dele era amigo da gestante, que é a palavra que ele mais usa para “namorada”, e a gestante diz que nem conhecia direito esse amigo e outras coisas assim.

— Ah, nesse caso, tenha a santa paciência, não concordo contigo. Pra mim o cara já sofreu o suficiente. Tu já pensou a moral dele dentro de casa? Ele será lembrado do episódio sempre que se julgue necessário, até o fim da existência dele na Terra. A mulher dele, ali em pé, assistindo tudo, dando abraço no fim, isso tem preço, cara, pode dizer que não quem quiser, mas eu sei, tem preço. Pensa bem, você é casado, te põe no lugar dele: é mole? — É, não, não é mole. Tem razão, não é mole, não.

— Pois é, o brasileiro compreende, isso é coisa nossa. Tanto assim que todo mundo foi dar um abraço nele, querendo botar uma pedra em cima do assunto tão rápido quanto possível.

— E eu acho isso também muito suspeito. Os corruptos ou os que têm qualquer culpa no cartório ficam com medo de que se mexa muito nesse assunto e descubram coisas.

— Pois é, mas até nesse aspecto eu achei que ele marcou ponto. Você viu como ele defendeu a privacidade? — Sim, eu até falei nisso. A questão não era a privacidade dele, era...

— Não era, mas ele deu jeito de parecer. É bom, esse cara. Tu pode pensar que eu estou delirando, mas acho que não estou. Vai aparecer uma hora dessas um jurista explicando que pegar alguém sendo subornado é violação de privacidade.

Roubar em público é coisa de gentinha e dá pouco dinheiro, roubar mesmo é ato muito privado e, portanto, constitucionalmente protegido. Esse cara devia ser condecorado, ele de fato é um grande brasileiro típico.

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