sábado, junho 16, 2007

Miriam Leitão Parada estratégica

O Senado pode aprofundar o debate sobre a entrada da Venezuela no Mercosul, mesmo que isso atrase a decisão, sem medo de que pareça um ato revanchista. O assunto é mesmo controverso. O exministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia acha que é um risco aprovar a inclusão. O cientista político Octavio Amorim Neto acredita que a entrada só pode ocorrer em bases mais seguras.

O Senado brasileiro foi ofendido por Hugo Chávez em mais um dos seus destemperos verbais. Não é isso que deve mover o Senado, evidentemente. Mas há fortes razões para se pesar todos os dados da questão antes de aprovar a entrada, se é que ela deve mesmo ser aprovada.

O ex-chanceler Lampreia lembra a declaração de Chávez de que ele queria acabar com o Mercosul como existe atualmente. Só isso já seria o suficiente para se pensar bastante. Mas há razões mais importantes, como a cláusula democrática, que estabelece como condição para ser membro do Mercosul que um país seja democrático.

E a Venezuela é? O governo brasileiro está convencido de que sim, porque o país tem eleições. Muitos analistas acham que a Venezuela é cada vez menos democrática, porque o presidente Hugo Chávez tem minado as instituições e os princípios democráticos, como a liberdade de imprensa e a independência dos poderes. Seu objetivo confesso é impedir a alternância no poder.

Octavio Amorim, professor da EPGE/FGV, acha que é preciso aprofundar a cláusula democrática, qualificando o princípio: — É importante definir melhor o conceito de democracia no acordo.

Outro ponto que deve ser mais bem estudado é o objetivo de Chávez no Mercosul.

Para Lampreia, sua intenção não é a mesma de outros países: — Ele não quer fazer uma zona aduaneira ou uma área de livre comércio, mas, sim, uma frente antiamericana — comenta.

Se é isso, não nos interessa, evidentemente, porque é uma perda de tempo.

Lampreia lembra também que o problema do Mercosul sempre foi a assimetria entre os países, e isso vai se aprofundar: — A Venezuela é uma economia com um produto só, o petróleo, e com uma estrutura de comércio bem diferente da nossa. A indústria, que sempre foi fraca, foi ainda mais enfraquecida com Hugo Chávez — afirma o embaixador.

Isso sem falar na crise em que a Venezuela está entrando neste momento, com uma inflação de quase 20% ao ano, num mundo de inflação sob controle, e com desequilíbrio fiscal crescente, apesar do prolongado boom dos preços do petróleo.

É curioso ele querer fazer o socialismo de doações proposto esta semana.

A inflação alta expropria os pobres, anulando qualquer efeito da benemerência que acaba de defender.

O problema com a Venezuela é que todos os processos de inclusão foram atropelados politicamente.

Tanto o presidente Lula quanto Chávez quiseram encurtar os prazos e os processos e transformar a entrada da Venezuela em fato consumado. Há inúmeras pendências sobre compatibilização dos acordos internacionais, das políticas de tarifas externas, e da política comercial que precisam ser entendidas antes de se concluir se deve ou não ser aprovada a entrada da Venezuela no Mercosul.

Octavio Amorim Neto acha que não seria bom o Senado simplesmente vetar a entrada do país, porque isso daria uma sinalização ruim.

— É uma oportunidade para discutir mais profundamente um acordo que hoje só tem três páginas. Ele tem que ser ampliado para garantir a segurança, para que a entrada da Venezuela não seja um risco para o bloco. O Mercosul tem uma estrutura institucional débil; ele vem sendo garantido pela diplomacia presidencial.

Deixar entrar um presidente que é um polarizador nato e que já declarou que o Mercosul deveria acabar pode ser um risco — acredita o cientista político.

O Brasil tem uma relação comercial superavitária com a Venezuela, de US$ 3 bilhões. E há empresas brasileiras com negócios importantes no país vizinho.

A Venezuela teve, nos últimos anos, um crescimento de 10% tanto em 2005 quanto em 2006, e de 18,3% em 2004, performance explicada, diz a Tendências, pela “escalada nos preços do petróleo nos últimos anos”. Mas há outra razão para altas tão fortes. Segundo o levantamento feito pela consultoria sobre a economia venezuelana, o petróleo equivale a 86% das exportações do país, 50% da arrecadação e 30% do PIB. “No entanto, o crescimento do PIB foi também impulsionado pela adoção de políticas fiscal e monetária significativamente expansionistas e forte intervenção do Estado na economia”, sem falar no câmbio controlado. Os gastos do governo subiram de 33% para 41% do PIB. Apesar da inflação alta, como os juros lá têm teto, não podem ser usados para tentar controlar os preços.

A Tendências diz que, no crescimento do país, é “esperada uma desaceleração”, por causa da expectativa de queda do preço do petróleo e de menos investimentos.

Calculam um aumento do PIB de 7% em 2007 e de 3,8% em 2008.

Por várias razões: a cláusula democrática; as declarações de Hugo Chávez contra o Mercosul; a imposição política da entrada do país; os objetivos do presidente venezuelano; as assimetrias econômicas; tudo dá base ao Senado para tratar desta questão com muito cuidado.

As acusações de que o Senado brasileiro é um papagaio que repete o que os Estados Unidos dizem não devem entrar em consideração.

A frase é uma agressão tosca; e não é por isso, mas por todo o resto, que o Senado pode — e deve — ser cuidadoso com o assunto.