Concordamos com o professor Manuel Balán, pesquisador da Universidade do Texas em Austin, quando ele afirma que a América Latina é um berço de escândalos de corrupção. Divergimos, quando diz que as causas não estão nas falhas de qualidade da representação política ou na debilidade das instituições democráticas. Pode ser que seja assim na Argentina, onde Balán nasceu, mas não no Brasil.
No Brasil, políticos, magistrados e governantes, em quantidade tão atuante quanto significativa, diariamente nos dão provas cabais de incompetência, mau-caratismo, desonestidade e, sobretudo, de impostura. Da mesma forma, nossas instituições democráticas são arbitrárias, destroem o sonho de uma melhor qualidade de vida e se comportam como donas do nosso destino e da nossa vontade.
Balán entende que a simples denúncia de um ato de corrupção tornou-se instrumento da guerra pelo poder político. A partir deste pressuposto, tudo se resumiria em um mecanismo para manipular a opinião pública, e os escândalos, no frigir dos ovos, estariam relacionados apenas com as dissensões internas das elites política e econômica, eternas caçadoras de privilégio e influência.
Pode ser; mas não é tudo. A sujeira é muito mais espessa do que um mero argumento indutivo delineado à distância, embora tenha, sim, alguma consistência. A impressão que se tem é a de uma nítida conivência daqueles que detêm o poder decisório no sentido de garantir a impunidade desse bando de gatunos e celerados que ocuparam Brasília. É como se todos eles tivessem o rabo preso em falcatruas ainda não denunciadas e se resguardassem de uma possível e repentina bordoada de algum jornalista intrometido.
Chegou a vez de Renan Calheiros; mas o presidente do Senado nem precisa se preocupar com uma explicação convincente para as acusações de que vem sendo alvo nos últimos dias. Pouco importa que ele não tenha correspondido às expectativas, frustrando a opinião pública. É claro, o senador mostrou-se indignado, desculpou-se com a esposa e com o companheiro lobista, mas nada disse que sequer minimizasse as suspeitas. Dissimulado, evitou comentar os R$ 12.500 mensais pagos em espécie por um intermediário da empreiteira Mendes Júnior à mãe da filha cuja paternidade reconheceu, expondo a própria intimidade à sanha dos mexeriqueiros. Pior, pôs sob suspeição sua atividade como parlamentar, pois é lícito inferir que a empreiteira seja, de fato, a provedora da pensão.
Renan Calheiros não é marinheiro de primeira viagem, quando o assunto é escândalo. Na Operação Navalha - que também, podem apostar, vai acabar em pizza - o nome dele e o do irmão Olavo são citados nas gravações telefônicas referentes às manobras de Zuleido Veras e sua empreiteira Gautama.
Mas ninguém está interessado na vida íntima do senador. Ora, se ele mesmo vê tudo isso só como um "meio escândalo", no máximo algum alcoviteiro poderia dizer que Renan foi só "meio canalha", por causa de uma mulher que deixou só "meio grávida". O que se deseja é apenas uma explicação plausível, aceitável, para a imensa fortuna e o considerável patrimônio acumulados no decurso de três décadas de atividade política. Talvez Renan Calheiros realmente tenha como nos convencer de que é honestíssimo e jamais pensou em prevaricar; por enquanto, porém, tudo que fez, com um discurso inconsistente, foi posar de vítima ofendida em sua honra.
Mas o senador não tem por que se inquietar. Rigorosamente nada vai lhe acontecer de ruim, se a coisa depender dos pares que deveriam investigá-lo e julgá-lo. O corporativismo parlamentar é enraizado, e os magistrados, embora meros delegatários de uma autoridade que não lhes pertence, sempre interpretam a lei em benefício do réu ao arrepio da vontade do legítimo dono do poder: o povo.
No máximo, Renan Calheiros, quem sabe, talvez, sinta uma leve dor de consciência, porque, ele sim, conhece a verdade documentada e incontestável. Quê?! Um político dotado de consciência? Que brasileiro vai acreditar nisso?
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Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, junho 04, 2007
Meio escândalo Antonio Sepulveda
Publicado hoje no JB, 04/jun/2007
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