Os petrodólares e a corrupção criaram uma classe
de socialistas venezuelanos que esbanja em jipes
de luxo e em viagens para Miami
Duda Teixeira, de Caracas
Jorge Silva/Reuters |
Manifestação chavista em Caracas, na semana passada: falso discurso moralista contra a riqueza |
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Durante as últimas duas semanas, na Venezuela, não se passaram dois dias sem que dezenas de milhares de estudantes protestassem contra o fechamento, pelo presidente Hugo Chávez, do canal de televisão RCTV. A tenacidade dos manifestantes em defender a liberdade de expressão em seu país deixou claro que os venezuelanos não compartilham dos planos do presidente de implantar na Venezuela o que ele chama de "socialismo do século XXI". Conforme o próprio Chávez não se cansa de repetir, seu projeto consiste em eliminar a "elite oligárquica" do país – através da expropriação de empresas privadas, da censura aos formadores de opinião e da criação de um partido único, entre outras medidas autoritárias. O que o aspirante a ditador não diz (mas todo vendedor de artigos de luxo em Caracas sabe) é que ele está apenas substituindo a tradicional elite venezuelana por outra, formada por altos funcionários públicos corruptos, sindicalistas e empresários cujo principal mérito é bajular o ditador. Na Venezuela, essa nova classe é chamada de "boliburguesia", uma alusão a duas das expressões mais usadas por Chávez: bolivariano e burguesia. A primeira palavra refere-se aos seguidores da confusa ideologia inventada pelo presidente venezuelano, que mistura a adoração ao libertador latino-americano Simon Bolívar e um socialismo à cubana.
A boliburguesia de Chávez pode ser facilmente identificada nas lojas de Caracas de duas maneiras. Primeiro, através do uso do bonezinho vermelho, peça básica do vestuário dos militantes chavistas. Segundo, pelo estranho hábito que seus integrantes têm de pagar tudo com pilhas e pilhas de dinheiro vivo. Em uma das maiores agências de viagem da capital, por exemplo, a gerente conta que foi necessário comprar uma máquina contadora de dinheiro para as vendedoras não perderem mais tempo manuseando tantas notas de bolívares, a moeda local. "Os destinos preferidos da elite chavista são, claro, Miami e Orlando, sempre em classe executiva", diz a funcionária da agência. Taí, se a idéia de Chávez é imitar Cuba, nesse particular ele conseguiu: a meca dos chavistas são os Estados Unidos. A preferência por tirar férias nesse país tão demonizado nos discursos de Chávez é cuidadosamente dissimulada por eles. Ninguém mostra o passaporte ao colega. Isso porque existe o hábito de um rasgar o visto americano do outro, em um gesto esquizofrênico de patrulhamento ideológico. "Sabemos que no socialismo o luxo é proibido, mas, sempre que entra um chavista de boné vermelho, atendemos mesmo assim", diz Ricardo Diaz, vice-diretor da Super Autos, a principal concessionária de veículos importados de Caracas. "Esse governo tem todo o dinheiro do mundo", completa Diaz. Segundo ele, a clientela mudou muito depois que Chávez assumiu o controle da PDVSA, a estatal de petróleo, em 2003. Até então, seus clientes eram pessoas conhecidas, na maioria empresários. Depois, tornaram-se freqüentes os funcionários públicos, os donos de pequenas importadoras e até ex-camelôs.
Fernando Llano/AP |
Acima, estudantes e professores juntam-se para exigir direito à liberdade de expressão em protesto na semana passada, em Caracas. Abaixo, a loja Super Autos, na capital: a ostentação da burguesia estatal bolivariana contrasta com a pobreza do povo |
Juan Barreto/AP |
O carro preferido da elite bolivariana é o Hummer H2, de 100.000 dólares. A loja Super Autos vendeu, só neste ano, duas dezenas de unidades do modelo, a maioria para chavistas. Em março, o governador do estado de Carabobo, Luis Acosta Carlez, um expoente do chavismo e ele próprio dono de um Hummer, disse em uma entrevista na TV: "Por que nós, os revolucionários, não temos o direito de ter um Hummer? Se ganhamos dinheiro, podemos comprar". Os venezuelanos já apelidaram os petrodólares dos socialistas do governo de dinheiro rojo, rojito – "vermelho, vermelhinho", em espanhol. A fortuna dos apoiadores de Chávez, no entanto, não vem sem custo para o povo venezuelano, que já sofre com a criminalidade crescente (os homicídios triplicaram), o desemprego de 13% e a inflação de 20% ao ano. A riqueza súbita dos chavistas se explica pela estrutura criada pelo presidente para permitir que seus partidários se beneficiem de sua permanência no poder. Quem apóia Chávez é premiado com a possibilidade de lucrar, de maneira lícita ou não.
Uma maneira "limpa" de enriquecer na Venezuela hoje, por exemplo, é abrir uma importadora e cair nas graças da nomenklatura chavista. Desde que Chávez assumiu, a produção industrial caiu a níveis inferiores aos de dez anos atrás. Isso fez com que as importações crescessem – inclusive para atender a uma economia aquecida pelo aumento no preço do petróleo, o principal produto de exportação venezuelano. Importação, portanto, é um dos negócios mais lucrativos na Venezuela hoje. Para sobreviver nesse setor, no entanto, os empresários precisam de autorização do governo para comprar dólares – e Chávez escolhe pessoalmente os privilegiados nesse esquema, em geral por critérios políticos. A outra maneira utilizada pela elite bolivariana para enriquecer, a ilícita, é regida pela completa falta de transparência do estado chavista. De todos os contratos firmados pelo governo, por exemplo, 95% são feitos em caráter emergencial, sem licitação. "Não existe contratação de obra pública hoje, na Venezuela, em que não haja superfaturamento", diz Eleazar Díaz Rangel, diretor do jornal Últimas Notícias, o maior da Venezuela e pró-governo. Na prática, portanto, o presidente venezuelano está tentando expulsar do país uma elite produtiva que cria empregos – como é o caso dos donos da RCTV e dos administradores do Hilton Caracas, hotel que vai ser nacionalizado em agosto – e pôr no lugar uma elite inepta e parasita, formada por aduladores presidenciais.