sábado, maio 19, 2007

O maior ciberataque da história

Uma guerra pela internet

O maior ciberataque da história tira a
Estônia da rede. O suspeito é a Rússia


Duda Teixeira

Shamil Zaumatov/Reuters

Putin: ele não aceita que uma ex-colônia faça parte da Otan

Nas últimas três semanas, a Estônia, um dos três estados bálticos, sofreu três ondas sucessivas de ataques cibernéticos, interrompendo os serviços de internet e imobilizando o governo. O país de 1,4 milhão de habitantes e território com área equivalente à do estado do Rio de Janeiro orgulha-se da eficiência de seu estado on-line, sem a burocracia dos papéis, e de ter realizado as primeiras eleições nacionais pela internet. Com seus serviços eletrônicos abalados pelo ciberataque, a Estônia mergulhou num caos equivalente apenas ao de 1991, quando o colapso da União Soviética permitiu a independência do país. Impossibilitadas de ler e-mails, as autoridades tiveram de recorrer aos velhos aparelhos de fax. Sites de notícias saíram do ar e ninguém conseguia acessar os serviços bancários on-line. Nunca antes um estado havia sofrido um assalto cibernético tão sistemático e devastador. As implicações do ataque fizeram soar o alarme na Europa, e a Otan, a aliança militar do Ocidente, da qual a Estônia faz parte, enviou uma equipe de especialistas para tentar erguer uma barreira de defesa tecnológica e ajudar os estonianos a localizar os responsáveis pelo vandalismo eletrônico. Numa reunião na sexta-feira passada em Samara, na Rússia, o presidente da Comissão Européia advertiu que o bloco poderia sair em defesa da Estônia na guerra pela internet.

Encontrar o culpado é a parte fácil. Examinados os rastros deixados pelos hackers, o primeiro-ministro Andrus Ansip não teve dúvidas em culpar a Rússia pela bagunça digital. O governo russo negou formalmente envolvimento na ofensiva cibernética – mas não existe outro suspeito. Os primeiros ataques ocorreram em 27 de abril, dia em que o governo da Estônia removeu a estátua de bronze de um soldado soviético do centro da capital e a transportou para um cemitério militar, fora da cidade. Para os estonianos, o monumento era uma triste lembrança das cinco décadas em que permaneceram sob ocupação soviética. Para os descendentes de russos, que representam um terço da população, era um símbolo da resistência contra o nazismo na II Guerra. Nos dias seguintes, manifestantes russos entraram em conflito com a polícia nas ruas de Talim, a capital. Uma pessoa foi morta e mais de 150, feridas. A Rússia entrou na polêmica com ameaças de usar a força em defesa da minoria russa na Estônia.

Raigo Pajula/AFP

Vandalismo russo nas ruas de Talim e a foto de um soldado russo da II Guerra colocada pelos hackers num site do governo da Estônia: crise com a Rússia

A guerra pela internet foi uma forma evidente de retaliação contra o governo estoniano. Os sites da Presidência da República, do Parlamento, dos partidos políticos e dos bancos foram invadidos para que se colocassem no ar frases e fotos de soldados soviéticos. Ainda mais grave foi o uso de vírus para sobrecarregar os servidores da Estônia, impedindo-os de funcionar. Para isso, os hackers espalharam programas invasores em milhares de computadores pelo mundo, que, com um simples comando, entupiram com lixo eletrônico as máquinas estonianas, que pifaram sem conseguir atender à avalanche de informação. Como os computadores possuem um número de identificação, o IP, para acessar a internet, foi possível descobrir de onde partiram os ataques. A maioria vinha da Rússia e de instituições do governo russo. O Kremlin diz que isso não prova nada, pois os números de IP podem ser facilmente falsificados. "Os criminosos podem estar em qualquer lugar, até na África do Sul ou no Brasil", concorda Rogério de Campos Morais, diretor da divisão de segurança da IBM, em São Paulo.

Em se tratando da Rússia, acusações, mesmo as mais fantasiosas, podem ter fundamento. Que outro país é suspeito de ter matado um dissidente com polônio radioativo e envenenado um político estrangeiro com uma substância que o deixou desfigurado? Dezesseis anos após o fim da Guerra Fria, o governo de Putin tenta restabelecer a antiga influência do império soviético na vizinhança. Ele retomou a linguagem do passado para se opor ao plano americano de instalar um sistema antimíssil na Europa Ocidental. Na sexta-feira, uma reunião com a União Européia acabou em desavença por causa da falta de respeito pelos direitos humanos na Rússia. Nos últimos meses, o país tem criado sucessivas crises com países que, como a Estônia, deixaram sua esfera de influência para ingressar na União Européia ou na Otan. Putin suspendeu importações de carne da Polônia, cortou o fornecimento de petróleo para a Lituânia e ameaça não aceitar a independência de Kosovo, hoje uma província da Sérvia. A guerra cibernética pode ser sua nova arma para punir desafetos.