Demóstenes Torres
Eu me lembro que no final dos anos 1970, o pessoal que hoje está muito bem com o poder discutia a queda da ditadura a partir das “questões estruturais e conjunturais.” Cumprido o primeiro requisito – o malogro econômico – e implementado o segundo – demanda popular por democracia – seria batata a derrocada dos militares. A sustentação da popularidade de Lula tem suscitado interpretações e patrocinado inferências que podem perfeitamente beber da hermenêutica decorada da esquerda daquela época, embora a resposta seja uma só: o amor do povo brasileiro por Lula não é movido por paixão política, filiação ética ou atavismo pau-de-arara. A razão é o mercado. Da xepa da feira ao baronato da Bolsa de Valores, todos estão felizes com a estabilidade econômica.
O presidente Lula passa bem e não há motivação para prever futuro incerto porque seu governo vive o auge de um modelo econômico que os petistas condenavam por julgá-lo neoliberal, vinculado à política da dependência externa e, portanto, corsário do povo. Hoje, sem necessidade de fazer autocrítica, comemoram os resultados do Plano Real e faturam os dividendos políticos que mantém o presidente acima dos normais. Na semana passada, a revista inglesa The Economist fez uma matéria especial sobre o Brasil de 14 páginas. O título é bem o que a gente é: Terra da promessa. Um país grande, estável, democrático e rico, mas que se move lentamente e não avança por conta do custo Brasil.
Para os ingleses somos um misto de fertilidade e frustração. De um lado, o único país capaz da iniciativa dos biocombustíveis, das commodities afortunadas, da inflação baixíssima e de democracia a toda prova. De outro, o Estado predador, a burocracia, a corrupção, o desperdício, a incompetência gerencial e, é claro, a incapacidade de se obter resposta de futuro com a educação. Até aí nada de novo na correta descrição que a revista fez do Brasil. Com todas as letras os jornais brasileiros insistem que é preciso reformar a Previdência, o sistema tributário, as leis trabalhistas, as ordenações políticas, a segurança pública e, enfim, criar um modelo eficiente de Estado. Providências sistematicamente olvidadas, não necessariamente frustrantes, a se considerar a opinião publica brasileira.
O crescimento econômico é de meia pataca, voar é uma temeridade, em terra o perigo é o latrocínio, no entanto estamos contentes. Trata-se de uma felicidade medíocre, com certeza, mas a satisfação modesta nos basta. O brasileiro só se entusiasma em ritos de passagem. O lado bom, a estabilidade da economia e as indulgências sociais, é contabilizado como um ganho extraordinário e impõe uma posição favorável sobre o resto. Quanto ao peso do atraso, a cultura da informalidade nos ensinou a acomodação aos maus costumes. O ex-presidente Fernando Collor foi deposto pelo o que não fez para tirar a economia do atoleiro e não pelo tal mar de lama por onde trafegou um automóvel Elba.
O desapego do brasileiro pelo o que é do domínio moral afasta o seu interesse pela política e assim fica aberto o caminho para o presidente Lula, por exemplo, conseguir se desprender do próprio governo federal. A maioria consultada pelas pesquisas de opinião atribui à União a responsabilidade pelo caos aéreo e o incremento da violência, o que não tem rigorosamente nada a ver com o Lula. Vejam que nos EUA, na Espanha e na Itália, onde há tradição de economia forte, o político move o interesse social. A popularidade do presidente Bush despenca à medida que fracassa a ocupação do Iraque ou há uma Intifada. Os espanhóis, aos milhares, foram às ruas de Madrid para protestar contra uma negociação do governo com o ETA e na Itália um primeiro ministro perdeu a confiança do Parlamento e caiu por sugerir modelo de política externa.
Não entramos em assuntos pequenos como este primeiro mundo aborrecido pelo tédio e ainda temos o abrigo das “conjecturas estruturantes”. No vácuo da unanimidade do presidente se propaga o impropério institucional na forma do palpite. O presidente da Anac acredita que não há crise no setor aéreo e ponto. A secretária de Habitação considera que as invasões associadas do MST e dos sem-teto são uma manifestação de “diálogo e entendimento”. Já a secretária da Promoção da Igualdade Racial conferiu legitimidade ao racismo invertido. O que vale é o nonsense e o diálogo útil só tem cabimento em carta de demissão. Como fez o ex-superintendente de Segurança da Infraero, brigadeiro Sirotheau, que deixou o emprego por acreditar que a reforma da pista de Congonhas era prioritário ao embelezamento da sala de embarque.
Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (Democratas-GO)
Entrevista:O Estado inteligente
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