domingo, abril 29, 2007

DORA KRAMER Defender o indefensável

Defender o indefensável

dora.kramer@grupoestado.com.br

O atual colégio de deputados federais, sucessor daquele já conhecido como produtor da “pior legislatura de todos os tempos”, na semana passada foi pródigo em providências para “melhorar a imagem da Câmara”, “recuperar a confiança” da sociedade e “fazer as pazes” com a opinião pública, como preconizavam suas excelências nas promessas de bom comportamento por ocasião da posse do colegiado, em fevereiro.

Decidiram criar uma instância formal encarregada de “defender a instituição” das críticas - uma advocacia-geral do Legislativo -, resolveram processar o comentarista Arnaldo Jabor por ter tido o atrevimento de pedir punição para parlamentares que se apropriam de recursos públicos mediante a apresentação de notas fiscais frias de consumo de combustível e deixaram de lado seus estafantes afazeres para se dedicar ao debate da defesa da honra.

Consideram-se vítimas de uma conspiração engendrada com vistas a ocultar seus grandes feitos em prol da Nação. No embalo, houve espaço também para o deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT, propor a inclusão na reforma política de um dispositivo de controle dos meios de comunicação em períodos eleitorais.

Zeloso do “bom jornalismo”, Berzoini sugere que a Justiça Eleitoral imponha limites ao noticiário, às análises, às opiniões, interpretações, entrevistas. Na opinião dele, a restrição se faz necessária para evitar julgamentos “preconceituosos e elitistas”, cujo objetivo é “retirar a legitimidade da política”.

O deputado não detalhou seu plano, mas depreende-se que preveja punições. Advertências, multas, prisões, cassação de concessões, suspensão de circulação? Ele não diz e não precisava dizer, porque a intenção é bem explícita: eliminar o contraditório.

Os parlamentares já foram mais sutis. Antigamente, a cada onda de episódios negativos retratados pela imprensa, deputados e senadores ameaçavam “endurecer” a Lei de Imprensa da ditadura. O PT costumava ser contra, aliava-se aos protestos e à defesa da liberdade de expressão e ao direito da sociedade à informação. Com o advento da adesão da esquerda às práticas do autoritarismo, a ofensiva tornou-se mais ousada.

Na proporção direta em que aumentaram também a quantidade e a intensidade das agressões do Parlamento (não só dele) à opinião pública, e a desfaçatez com que essas ofensas se repetem, tornando a instituição, tal como está, indefensável.

O Congresso se diz agredido, mas não pára de agredir aos que juraram representar com dignidade. Se o eleitorado reagisse na mesma moeda, recorreria à Justiça para pedir o voto de volta, mediante ações populares.

Ou acionaria o Ministério Público para assegurar o direito de ter um Poder Legislativo que não legislasse em causa própria, que não funcionasse à base de acertos corporativos, que não malversasse o dinheiro público, que não imputasse a si privilégios, que não protegesse criminosos.

Que não burlasse sistematicamente a presença ao trabalho, que não promovesse absolvições corporativas, que não se submetesse aos ditames do Poder Executivo, que não trocasse votos por cargos, que não abrisse mão de suas prerrogativas, que não se dedicasse, enfim, ao exercício da desmoralização continuada da política e da promoção do descrédito da democracia representativa.

Mais eficaz que constituir uma equipe de advogados para defender o indefensável, é se comportar direito, instituir o império do pudor às faces e revogar as disposições em contrário.

Além da alma

Em alguns dos atos do presidente Lula a aparente ausência de lógica é só aparente. Por trás da aparência revela-se, cristalina, a coerência de pensamento.

No convite ao professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger para ocupar a supérflua Secretaria de Ações de Longo Prazo, por exemplo - com direito a anunciado pedido público de desculpas no dia da posse por tê-lo chamado de corrupto e pregado seu impeachment -, Lula exibe a “prova” de que todos são cooptáveis. Inclusive os por ele recentemente citados com menosprezo, sábios “de berço e sobrenome”.

O mesmo movimento se expressou na humilhação consentida de produtores culturais convertidos à causa da falta de ética na política.

No primeiro mandato, a formação de maioria parlamentar mediante o uso de instrumental substancialmente pragmático já confirmara a máxima dos “300 picaretas” e, no início do segundo, a entrega de ministérios a adversários ferrenhos consolidou essa visão sobre a majoritária vocação pela submissão ao poder.

“Os demos”

O PFL mudou de nome e aderiu também às ferramentas da modernidade. O presidente do Democratas, Rodrigo Maia, já alugou uma “sede” para o partido no sítio de vida virtual na internet, o “Second Life”.

O próximo passo será o envio de mensagens partidárias - chamadas panfletos eletrônicos - via telefone celular aos correligionários, em família já denominados “os demos”.