Em mensagem encaminhada ao Congresso, o governo do presidente Lula solicitou a prorrogação até 2011 da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - a CPMF velha de guerra - e a manutenção da alíquota de 0,38%. Nenhuma surpresa. O "imposto do cheque" renderá aos cofres da União, até dezembro, cerca de R$ 35 bilhões. Uma bolada e tanto. "Não poderemos abrir mão dessa arrecadação nos próximos anos", declamou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. De novo, nenhuma surpresa. Desde a chegada das caravelas, tesoureiros da pátria enfiam a mão no bolso do povo até para subtrair trocados. Nenhum governante renunciaria voluntariamente a esse tributo bilionário. Sobretudo alguém como Lula, sobretudo neste momento tão especial. Depois de quatro anos de ensaios, ajustes no roteiro e mudanças no elenco, o espetáculo do crescimento está prestes a estrear. É preciso financiar a semeadura dos canteiros de obras do PAC. É preciso dinheiro para a gastança federal. É preciso pagar o salário do ministro Mangabeira Unger. Também a mansidão do rebanho brasileiro nada tem de surpreendente. Nos Estados Unidos e na Índia, por exemplo, a gula tributária dos ingleses precipitou guerras de libertação. A terra do homem cordial não é de perder a paciência por tão pouco. E engole abusos sem muita careta. No Brasil, o raquítico inventário de reações a impostos extorsivos ou injustificáveis tem seu capítulo mais vistoso na Inconfidência Mineira. A audácia dos rebeldes mineiros causa tanto espanto quanto o tamanho da tropa: todos os insurgentes cabem num asterisco dos livros de História. Em 1993, os brasileiros submeteram-se sem gemidos audíveis ao tributo sugerido por Adib Jatene, ministro da Saúde de Itamar Franco. Por algum tempo, incidiria sobre todo cheque emitido uma taxa cujo valor seria destinado a investimentos no devastado sistema nacional de saúde. Começara a ser chocado, sabe-se agora, o ovo da serpente. Sucessivas prorrogações do prazo de validade transformaram o provisório em permanente. A arrecadação foi engordada por aumentos na alíquota original. E não se investiu em saúde, nestes 16 anos, um único centavo extorquido pela CPMF. "Esse tributo é uma aberração que deixa estarrecidos economistas estrangeiros", sublinhou o Estadão em recente editorial. "Seu efeito em cascata é mais amplo e danoso que o de qualquer outro imposto, pois a alíquota incide sobre a mera liqüidação de transações já oneradas por outros tributos". Acostumados a tantos abusos, lastima o editorial, "os brasileiros talvez tenham perdido a noção da anomalia". Os parlamentares acham que sim. Informado de que logo terá de votar a favor da prorrogação da CPMF, o senador maranhense Epitácio Cafeteira sorriu. "Vai ser a seco, sem manteiga?", debochou, brincando com o sobrenome do ministro. A grosseria é adequada ao tema. A CPMF não é um tributo. É um estupro, disfarçado de imposto. No fim, sobrou para os bagres A idéia de dividir o Ibama em duas metades é um monumento à criatividade companheira. Veja-se o exemplo da hidrelétrica do Rio Madeira. A turma do departamento de preservação dirá que, se o projeto ficar como está, a espécie dos grandes bagres poderá ser extinta. A turma do departamento das licenças ambientais, depois de sugerir a transferência dos cardumes locais para outras águas, autorizará o início das obras. Quanto ao bagre que caiu no colo de Lula, esse vai acabar numa peixada no Torto. A culpa é de quem elege A cada pesquisa de opinião, a maioria dos brasileiros informa que o Congresso é o pior da história - e que o país passaria muito bem sem senadores e deputados. A cada quatro anos, a maioria dos eleitores prorroga a hegemonia da bancada dos bandidos numa instituição inseparável da democracia. A farra da "verba indenizatória" reafirma que centenas de parlamentares parecem prestes a perder inteiramente a vergonha - perdida faz muito tempo por milhões de eleitores brasileiros. Cabôco Perguntadô O deputado Ricardo Berzoini concluiu que a imprensa vive perturbando o bom andamento das campanhas eleitorais com a publicação de notícias incompletas ou imprecisas. Ainda à espera de informações que tornem menos nebulosos os episódios ocorridos na campanha do ano passado, o Cabôco endossa os reparos. E faz uma sugestão a Berzoini: por que não abre ele próprio a procissão de bons exemplos e conta de onde veio aquele dinheiro para a compra de dossiês fraudados por companheiros? Advogado em causa própria "Estupra, mas não mata", ensinou Paulo Maluf. Nessa lição do mestre, decerto se inspirou o devoto José Ricardo Regueira, envolvido até o pescoço com a máfia dos caça-níqueis. "Prisão é para gente perigosa, não para gente pacífica", acha o desembargador. "Rouba, mas sem violência", diria Maluf. Transformada em lei, a doutrina manterá longe da cadeia todos os gatunos de mão leve. Punguistas e estelionatários, por exemplo. Ou juízes que vendem sentenças, como Regueira. Yolhesman Crisbelles O troféu da semana vai para o ministro Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, pelas palavras com que encerrou o animado debate, promovido pela corte, sobre o uso de células-tronco em experiências científicas: Nem sempre você decide entre o gritantemente certo e o salientemente errado. Às vezes, você tem de decidir entre o certo e o certo. Em outras, entre o certo aparente e o certo aparente. Bonito isso, ministro. Agora ficou tudo claro. |