domingo, março 25, 2007

Fala o advogado-geral: direitos, deveres, privilégios

por Reinaldo Azevedo

Leia trecho de entrevista da Folha deste domingo. Volto em seguida:
O novo advogado-geral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli, 39, defende o foro privilegiado para autoridades públicas e diz que o ex-deputado José Dirceu (PT), cassado 2005, tem o direito de pedir a sua anistia. Na Casa Civil, Dirceu foi chefe de Toffoli. Para ele, a decisão da Câmara será política, não técnica. Ele disse que são "antagônicos" os motivos que levaram às cassações de Dirceu e de Roberto Jefferson, autor das acusações sobre o mensalão. O primeiro teria perdido o mandato por ser chefe do mensalão, e o segundo, por não ter comprovado a existência do esquema. Sobre o foro privilegiado, ele disse que o defende como advogado, desde 2002, e que não fala em nome do PT. Natural de Marília, Toffoli é formado em direito pela USP. Nos últimos 13 anos, trabalhou como assessor jurídico ou advogado do PT. Foi o defensor do presidente Lula nas três últimas campanhas eleitorais.
FOLHA - O sr. atuou principalmente na advocacia privada antes de assumir a AGU. Como separar a atividade privada da pública?
JOSÉ ANTONIO TOFFOLI -
Não é a primeira vez que um advogado da iniciativa privada ocupa esse cargo. Não há nenhuma excepcionalidade nisso.Eu saí do escritório [de advocacia], me desliguei da sociedade. Agora sou um servidor público.
FOLHA - O seu estilo de trabalho será diferente? O sr. pretende participar mais das discussões políticas de projetos polêmicos?
TOFFOLI -
O ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa [seu antecessor] deixou a casa bastante em ordem. Meu estilo é diferente. Sem descuidar das questões do advogado-geral, vou procurar mostrar mais o que é a advocacia pública e ter um trabalho de acompanhamento das questões gerais do governo.
FOLHA - O sr. trabalhou na Casa Civil. É amigo de José Dirceu?
TOFFOLI -
Sou, mas não posso dizer que tenho com ele a mesma relação que tenho com o [Arlindo] Chinaglia [de quem foi assessor]. Com Dirceu, trabalhei diretamente pela primeira vez na Casa Civil. O contato profissional anterior tinha sido como advogado do PT.
(...)
FOLHA - Há uma grande polêmica em torno do foro privilegiado. Qual é a sua opinião sobre o tema?
TOFFOLI -
Primeiro, quando se fala em foro privilegiado, se usa uma terminologia que não é adequada. O correto é prerrogativa de foro em razão da função. Segundo, confunde-se foro privilegiado com impunidade, com impossibilidade de investigação, que é outra inverdade.
FOLHA - O STF nunca condenou nenhum deputado, senador ou ministro. O foro privilegiado parece não facilitar a punição. Em alguns casos, não há absolvição, mas a prescrição por demora no julgamento.
TOFFOLI -
A existência do foro não impede a investigação, não impede que haja uma ação penal contra a autoridade. Ela até dificulta a defesa, porque não permite que o advogado faça o que no linguajar popular é conhecido como chicana. Quando o julgamento é em uma instância definitiva, a possibilidade de prescrição é muito menor. Além disso, a absolvição não quer dizer impunidade.
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Voltei

De cara, uma declaração: eu sou contra a anistia a José Dirceu, é claro. Mas não sou contra a que ele exerça o direito de lutar por ela. É a regra do jogo. A Câmara pode anistiar? Pode. Ela deve? Não. A sua cassação foi política? É claro que sim — não no sentido de que ele faz praça. E a anistia seria igualmente política. Vamos ver.

O procurdor-geral da República põe Dirceu como membro de uma quadrilha. Seu parecer não interferiu no juízo dos deputados que o cassaram. Àquilo que Roberto Jefferson deu o nome de “mensalão”, mensal ou não, existiu: dinheiro do esquema coordenado por Marcos Valério para parlamentares. Quem era o chefe da política planaltina? Quem comandava as negociações com os partidos? Dirceu. Acho que isso nem ele nega, não é mesmo? E por isso ele foi cassado. Câmara de Deputados não é tribunal criminal. Do mesmo modo, se os valentes acharem que há clima para anistiá-lo, que o façam. Posso achar imoral — e acho. Mas ilegal não é.

Quanto à questão do que chamam por aí “foro privilegiado” e eu chamo de foro especial: bem, fazer o quê? Nesse particular, eu estou de acordo com o cidadão acima. Acho que as autoridades políticas não podem ficar expostas ao juiz da Cochinchina da Serra do Mato Dentro. E acho isso faz tempo. E não mudei de idéia.

E penso assim em defesa da sociedade, e não contra ela. O país está tão esculhambado, que a nossa primeira tentação é gritar: “Privilégio inaceitável!” No dia em que uma autoridade política ficar à mercê de promotores nem sempre muito centrados — e os há decentes — e juízes idem (idem quanto à decência), estaremos entregando a democracia à mão invisível, mas muito presente, da baixa política. Não haverá um só homem de bem para aceitar um cargo público. Quem será louco o bastante para se expor à perseguição?

Ah, mas o STF nunca puniu ninguém. Estão é chegada de hora de punir o STF, expondo seus juízos ao debate público. E, se for o caso, é chegada a hora de dar mais instrumentos legais ao tribunal. Também não custa nada cuidar melhor das denúncias. No mais das vezes, elas são tecnicamente ineptas. E isso, sim, colabora com a impunidade.

É só pra marcar. A declaração de que José Dirceu tem o direito de pleitear a anistia, pouco importa da boca de quem saia, não é notícia. É claro que ele tem o direito de pleitear. O que importa é saber se a Câmara deve anistiá-lo. A questão legal termina aqui, e começa a política.

Por Reinaldo Azevedo