domingo, março 25, 2007

DORA KRAMER Instrumento de defesa

Imobilizada no ataque, a oposição vai procurando se defender como pode do avanço governista sobre seus quadros: depois da inclusão, no estatuto do PFL, da cobrança de multa (R$ 50 mil) dos infiéis, o senador Marco Maciel apresentou esta semana uma proposta de emenda constitucional estabelecendo a perda de mandato para quem trocar de partido, ressalvados os casos de extinções, incorporações e fusões.

No balanço de perdas e ganhos, PSDB e PFL já perderam 27 deputados cada um, desde que se tornaram oposição com a derrota para Luiz Inácio da Silva em 2002.

O objetivo imediato é estancar a sangria, mas a conseqüência mais ampla é a criação de um novo padrão nas relações dos parlamentares com seus partidos e destes com o poder da ocasião. Além, é claro, de preservar a escolha do eleitor se porventura ela tiver sido partidária e não pessoal, como é o costume entre nós.

Na legislatura passada, foram 258 as trocas de partido na Câmara. Nesta, agora, iniciada há exatos 53 dias, as mudanças somam 37.

A alteração constitucional proposta por Marco Maciel dá a titularidade do mandato ao partido e determina a perda automática do mandato para quem se eleger por uma legenda e pretender se desligar dela a qualquer tempo da mesma legislatura.

Hoje, como se sabe, o trânsito é livre e tem como referência a maior ou menor disposição do Poder Executivo em construir maiorias por meio de cooptação individual.

Com isso, o governo em curso obtém não só os apoios dos partidos que apoiaram o candidato eleito ou se transferiram institucionalmente para a situação, mas principalmente atrai parlamentares das agremiações derrotadas nas eleições.

Resultado: legendas fracas adquirem artificialmente uma força que de novo minguará quando a correlação se alterar mediante a alternância de poder, e partidos substantivos sofrem verdadeiros êxodos sem nenhuma outra razão que não a transferência fisiológica de seus parlamentares atraídos pela luz da máquina estatal e do Diário Oficial.

O próprio PFL firmou-se como partido porque foi poder durante longo tempo, desde o regime militar, sob a legenda Arena. O PSDB cresceu rápido porque, fundado em 1988, seis anos depois elegeu Fernando Henrique Cardoso e passou os oito anos seguintes na Presidência da República.

Há exemplos eloqüentes de inconsistência, como o PRN de Fernando Collor e agora o PR da linha auxiliar de Lula.

O PT é exceção. Cresceu como oposição, sustentando bandeiras, formando lideranças, fincando e espalhando raízes em movimentos populares, entidades sociais, profissionais e religiosas. Quando chegou à Presidência, se preservou, mas adotou como estratégia de crescimento o inchaço de legendas satélites para as quais coopta deputados e senadores.

A prática é usual, mas perversa e altamente desagregadora. Talvez seja o fator primordial de enfraquecimento dos partidos e desorganização do sistema político.

Mal comparando, seria como se nos Estados Unidos, o Partido Republicano perdesse boa parte de seus quadros a cada vez que o Partido Democrata conquistasse a presidência da República e vice-versa. É claro que a solidez desses partidos não se deve a uma obrigatoriedade legal, mas o país que não tem a referência programática como cultura, precisa começar a incutir o conceito de alguma forma no sistema.

A maneira encontrada pelo PFL foi a da fidelidade na lei e na marra. Resta saber se os congressistas que tanto defendem em tese a reforma política e, nela, a instituição da fidelidade partidária, votarão a favor da emenda de Marco Maciel.

Conciliador, diz que confia em seus pares - 'não encontrei ninguém que fosse contra' -, mas, precavido, põe as mãos em prol da obra: 'Vamos fazer um proselitismo'.

Pormenor

A votação do enterro do requerimento da CPI do apagão aéreo mostrou a eficácia da aliança governista. É acachapante a maioria.

Se ela tem força para barrar comissões de inquérito, é suficiente para votar medidas provisórias, ativar a pauta de votações e aprovar o PAC o quanto antes.

Não precisa, para isso, da oposição como precisou no primeiro mandato para aprovar reformas, PPPs e outros projetos de interesse do Planalto.

Portanto, cabe atenção ao detalhe: qualquer conversa entre governo e oposição, além daquelas inerentes à civilidade, será de caráter político-eleitoral.

Meia palavra

Assim como todos os políticos, o novo ministro-articulador do governo, Walfrido dos Mares Guia, diz que 'é prematuro' discutir a eleição de 2010. Assim como todos os políticos, dedica-se com afinco ao assunto.

Ele deu uma entrevista à Folha de S. Paulo avaliando que o campo governista terá vários candidatos. No fim, soltou uma frase significativa: 'A oposição também não terá só um candidato'.

Como o único partido de oposição competitivo hoje é o PSDB, lícito imaginar que Mares Guia considera a hipótese de Aécio Neves e José Serra concorrerem por partidos diferentes.