domingo, março 25, 2007

AUGUSTO NUNES Sete Dias



augusto@jb.com.br
Ouça os promotores, ministro

Aos 64 anos, há 35 no Ministério Público paulista, o promotor de justiça Flávio Nunes da Silva é um conciliador vocacional. Temperamento brando, ótimo ouvinte, riso fácil, a voz sempre suave só trai uma leve irritação quando convidado a comentar o tratamento dispensado pela legislação brasileira a bandidos de alta periculosidade.

"Há pessoas para as quais não há solução, não há cura", diz Flávio na sala que ocupa desde 1981 no forum de Araraquara (200 mil habitantes, a 250 quilômetros da capital). "É impossível mudar o caráter ou a personalidade de um sociopata". Ele não pensava assim no começo da carreira: "Até ser transferido para cá, achava todo mundo recuperável", conta. "É que eu só tinha contato com gente presa em cadeias de cidades pequenas".

O presídio de Araraquara, com 700 celas, compõe um microcosmo criminoso muito mais abrangente e revelador. Ali, conheceu milhares de delinqüentes. Descobriu que a população carcerária deve ser dividida em duas categorias. E que só fora apresentado aos integrantes da primeira.

"São pessoas normais, que realmente não tiveram oportunidades na vida e erraram", resume. "Merecem respeito e tratamento digno enquanto quitam a dívida com a sociedade". A segunda categoria, liderada por autores de crimes hediondos, é menos numerosa. E muito mais perturbadora.

Os membros dessa tribo, constatou, requerem o rigor e a severidade que faltam à legislação brasileira. "São psicóticos que a própria psiquiatria forense considera sem chances de recuperação", argumenta. "Têm total discernimento dos atos que praticam e os praticam com prazer".

O promotor endossa sem restrições a tese do patologista criminal vivido por Al Pacino em 88 minutos: desvios mentais não são incompatíveis com a sanidade legal. "Com exceção dos loucos delirantes, todos sabem o que fizeram", reitera. "Muitos são bastante articulados, inteligentes".

À extensa relação de casos exemplares, acaba de juntar o protagonizado no Rio por Társio Ramires, 25 anos, carrasco do casal de franceses que dirigia a ONG Terr'Ativa. "Ele torturou e matou os próprios benfeitores", espanta-se. As vítimas haviam tirado Ramires da rua. Deram-lhe um lar, carinho, emprego e a chance de cursar uma faculdade. Generosos, não pressentiram que chocavam o ovo da serpente.

Flávio sustenta que bandidos dessa linhagem devem cumprir a sentença em regime fechado, sem direito a reduções da pena, sem acesso a privilégios e vantagens que hoje contemplam os prisioneiros, incluídos os responsáveis por atrocidades inverossímeis. "Pelas normas atuais, mesmo psicóticos perigosíssimos não podem ficar na cadeia mais de 30 anos", ressalva. "Mas todos são libertados muito antes. É preciso modernizar urgentemente a legislação".

Agora no Ministério da Justiça, Tarso Genro prometeu mobilizar especialistas na busca de medidas que amenizem a crise da segurança. Ouça os promotores públicos, ministro. Ouça a voz da sensatez.


Cabôco Perguntadô
O Cabôco ficou animado ao saber que a Justiça italiana quer a extradição de Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos e preso há dias no Rio. O herói que nada esquece lembrou-se de Salvatore Cacciolla, liberado por um habeas corpus do STF para decolar rumo a Roma, onde hoje passeia de lambreta e gasta o que roubou. E acha que o governo brasileiro pode usar Battisti para uma boa barganha: que tal trocar o terrorista aposentado por um ex-banqueiro ladrão?

Ministra turbinada
Depois de formalmente convidada para ocupar a vaga que lhe restou no ministério, a ex-prefeita Marta Suplicy foi logo avisando que ainda não tem planos nem projetos vinculados ao novo emprego. Mas já traçara a diretriz geral: "Esta pasta precisa ser superturbinada". Os brasileiros já se dariamBold por felizes se a ministra, que logo assumirá o controle da Infraero, tratasse de manter em funcionamento as turbinas dos aviões de carreira, desligadas com penosa freqüência pelo colapso do transporte aéreo.


O companheiro deu certo na vida
"Não posso reclamar do salário de R$ 8 mil", informou Lula. "Nenhum torneiro mecânico ganha isso". A peãozada metalúrgica deve ter ficado eufórica com o sucesso do colega, cujo contracheque registra a quantia de R$ 8.885,48. E iria à loucura se Lula tivesse lembrado a aposentadoria por invalidez (R$ 4.509,68) e a pensão de perseguido político (mais R$ 5 mil). Fora o cartão de crédito sem limite de despesa, os palácios e o exército de empregados. Além de comida e roupa lavada - tudo de graça.

Heróis dos canaviais
Baseada em estudos da socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, a jornalista Eliane Cantanhêde informa que os cortadores de cana do interior paulista sobrevivem heroicamente à miséria e à brutalidade. Só encontram emprego nas épocas de safra. Ganham R$ 2,40 por tonelada. Custeiam casa, comida e transporte. E se matam de trabalhar - literalmente: a cada ano, seis ou sete morrem "de cãibra". Para Lula, heróis são os usineiros. Parece ter perdido o rumo. Pode perder a alma.

Yolhesman Crisbelles
O troféu da semana vai para o mineiro Walfrido dos Mares Guia, em trânsito entre o Ministério do Turismo e a Secretaria da Coordenação Política, pela sopa de palavras que anunciou o fim da crise na aviação civil e devolveu a paz aos aeroportos:

Foram detectadas falhas e as providências foram tomadas. Já não temos apagão aéreo.

Segundo o chefe, Mares Guia continuará no primeiro escalão do governo por ser muito bom de cintura. Pena que seja tão ruim da cabeça.

25 / 03 / 2007