O falecido presidente Tancredo Neves gostava de repetir um ditado político mineiro: esperteza, quando é demais, engole o dono. O presidente Lula, da maneira como vem conduzindo a formação de seu Ministério para o segundo governo, está testando esse limite, a probabilidade de ser engolido aumentando a cada nova esperteza que espalha na praça. Agora mesmo está às voltas com dois grandes problemas, um criado por ele mesmo, outro por seu partido. Quando decidiu aguardar a convenção do PMDB para definir os espaços que o partido ocupará em seu novo governo, Lula mexeu em casa de marimbondos de fogo. O partido, que há muito tempo não sabia o que era um objetivo comum, estava precariamente unido em torno de seu atual presidente, o deputado Michel Temer, para ocupar espaços no governo federal.
Estimular a candidatura do ex-ministro Nelson Jobim, como faz o presidente Lula, insuflado pelos senadores Renan Calheiros e José Sarney, só reabre velhas feridas, e a conseqüência imediata, seja qual for o resultado da convenção, é a volta da divisão interna.
O governador do Rio, Sérgio Cabral, demonstra uma agilidade política elogiável ao tentar uma manobra de conciliação entre as correntes em disputa, propondo que Jobim e Temer se revezem no mandato. Com essa artimanha, além de pacificar seu partido, o governador Sérgio Cabral tenta também recuperar o prestígio junto à bancada federal, que não recebeu bem a disposição de assumir como sua a indicação do presidente Lula para o Ministério da Saúde, o médico sanitarista José Gomes Temporão.
Se conseguir atuar como pacificador de seu partido, Cabral estará consolidando uma liderança política que, dependendo da performance de seu governo, que se inicia, poderá levá-lo a aspirar a cargos mais altos. Para isso, manter o PMDB unido em torno do presidente Lula é tarefa essencial.
Também para o presidente é fundamental que o PMDB permaneça unido em sua base, inclusive porque, sendo o maior partido da Câmara, é o contraponto à forte pressão que faz o PT por espaços políticos.
Por tudo isso, se envolver na sucessão do partido não parece um movimento estratégico dos mais brilhantes neste momento, só explicável pelo excesso de confiança que parece dominar o presidente nestes primeiros dias de governo.
O PMDB já deve estar arrependido do acordo que fez com o PT, cedendo-lhe a vez para presidir a Câmara, imaginando que, em contrapartida, teria tranqüilidade para ocupar seus espaços nos postos de comando da Câmara e também no Ministério de Lula.
Mas o PT está é tratando de seus próprios interesses, tentando ocupar o maior número de cargos possível, lutando para se impor a um Lula cada vez mais distante, com interesses próprios, até mesmo com relação à sua sucessão.
Ter novamente Ciro Gomes entre seus ministros, desejo revelado em várias oportunidades, é uma maneira de identificálo como uma alternativa a candidato oficial da base, ao mesmo tempo em que fritar a ex-prefeita Marta Suplicy significa que não a considera uma boa alternativa como candidata à sua sucessão pelo PT.
Neste momento o presidente Lula caminha para um desfecho radical, barrando a entrada de Marta no seu novo Ministério, o que teria um significado muito maior do que a própria figura da ex-prefeita.
Seria quase um rompimento dos laços que ainda o ligam ao PT, que faz da indicação de Marta um dos pontos prioritários das reivindicações que levará ao Palácio do Planalto na próxima semana.
Embora corra em Brasília que Lula já se decidiu a não escalar Marta Suplicy no novo Ministério, temendo que sua ambição presidencial provoque um clima de disputa interna no governo, não é impossível que volte atrás, se é que já tomou mesmo uma decisão tão crucial.
A situação de Marta hoje é paradoxal: se for indicada, estará sendo praticamente imposta pelo PT, o que lhe dá um respaldo político forte, mas, ao mesmo tempo, a coloca em uma situação incômoda diante do presidente da República, o que não prenuncia um bom início de administração.
Ir adiando as escolhas para amolecer o ânimo dos partidos mais afoitos pode ter sido uma boa tática, mas tudo indica que o momento certo está passando, e são tantas as variáveis dentro de uma coalizão de 11 partidos que a estratégia pode desandar a qualquer momento.
O primeiro governo Lula não ficou caracterizado pela competência da gestão, ao contrário, teve muita crise política interferindo na administração.
O caso da Educação é típico: se Marta Suplicy for nomeada, será a quarta ocupante do cargo em pouco mais de quatro anos, o que mostraria a instabilidade do governo.
O curioso dessa história toda é que a motivação do presidente Lula é das mais elogiáveis, está tentando montar um Ministério que tenha um cunho mais técnico do que político, e por isso pretende que permaneçam em seus postos os ministros que exerceram cargos executivos anteriormente e deram mostras, na interinidade, de saber tocar a máquina pública.
E tudo o que Lula tem repetido é que quer um Ministério “estável”. Já desistiu de grandes novidades em termos de nomes, confiando em seu próprio carisma para dar o tom de seu segundo governo. Mas essa estabilidade está ameaçada justamente pelos dois maiores partidos da coligação governista.
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